#VnVBrasil | Salvem Jericoacoara
Vou a Jericoacoara desde 1995. Passei alguns dias por lá no início do mês. Tinha estado em Jeri pela última vez em 2008. Nesses anos todos, pude acompanhar as transformações do vilarejo.
Por boa parte da primeira década deste século, as mudanças foram benéficas. O boom do windsurf e a chegada do kitesurf trouxeram um turismo saudável, antecipando a bonança que aconteceria em outros vilarejos da costa do Nordeste voltada para o norte. Pousadas confortáveis e restaurantes charmosos apareceram para dar o necessário contraponto a dias longos, de intensa exposição aos elementos: o sol, a areia, o vento.
Os elementos continuam lá, mas ganharam a companhia de mais duas forças, estranhas à natureza: o trânsito e o barulho.
O vilarejo está dominado por todo tipo de veículo: jipes, caminhonetes, carros de passeio, bugues e um batalhão de motinhos. Caminhar pelas ruas de areia, algo que já exigia esforço, agora requer perícia: é preciso desviar de carros que passam a velocidades inacreditáveis.
O desrespeito não é restrito aos que vivem de transporte ou à classe do sabe-com-quem-você-está-falando. É democrático: as motinhos pertencem aos moradores e funcionários, e zunem a qualquer hora do dia e da noite com motores envenados ou escapamentos quebrados. Para tirar uma foto da praia ou da duna sem um carro ou moto aparecendo, você precisa parar e esperar o momento mágico.
Às sextas e sábados à noite (e intuo que na temporada isso aconteça todos os dias), as barracas de caipirinha do final da Rua Principal, à beira da praia, abrem a rodinha e instalam um DJ ao centro. O som alto começa às 10 da noite e fica MAIS ALTO à meia-noite. Às duas da manhã o luau termina, mas o barulho das motos e das caixas de som instaladas em carros continua madrugada afora.
O Conselho Comunitário de Jericoacoara tem uma página no Facebook onde não faltam relatos sobre as irregularidades . Prezado Ministério Público: pode isso numa APA? Honorável ICMBio: é cabível tamanha bagunça vizinha a um parque nacional?
O único trânsito regulamentado é o do windsurf e do kitesurf, que têm locais demarcados na praia. (Aposto que quem organizou isso foram os próprios esportistas.)
Se Jericoacoara quiser mesmo deixar de ser um santuário para virar uma Ibiza sujinha, uma Canoa Quebrada do oeste, uma Morro de São Paulo do norte, então que pelo menos siga o exemplo dos seus “modelos”.
Morro de São Paulo — que sempre se caracterizou por luaus na praia; o leitmotiv de Morro é o agito, não a paz — há muitos anos acabou com o trânsito de jardineiras na praia. Criou uma via paralela no interior onde passam todos os veículos. Dois verões atrás, o centro foi calçado e as praias ganharam decks de madeira. Para meu mais absoluto espanto, ficou ótimo.
Canoa Quebrada, que é infinitamente mais popular (no sentido social, mesmo) do que Jeri, também é muito mais organizada. Os bugues têm sua rota definida e não passam na praia dos banhistas. A grande maioria das pousadas está instalada longe do foco de barulho noturno da Broadway. As barracas de luau na praia não são vizinhas de nenhum hotel. Acabo de passar três noites em Canoa, em pleno feriado, e dormi como o anjo que mamãe achava que eu sou.
Mas onde Jeri precisava se espelhar era em Bonito, que acaba de receber o prêmio de melhor destino de turismo responsável do mundo. Por que será que os destinos brasileiros não conseguem aprender com as melhores práticas de outros?
Alô, Jericoacoara! O turista mais desejável vota com os pés. Se nada for feito para reverter a bagunça e a indiferença, cada vez mais visitantes vão trocar Jeri por Barra Grande do Piauí, Icaraizinho de Amontada, Flecheiras. Não se contente com o turismo predatório, Jericoacoara.
Ceará: vocês podem mais do que isso. Francamente.
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120 comentários
Essa prática está tomando conta do País Brasil. Pessoas sem o mínimo de educação e um governo omisso, uma polícia omissa. Já já vai rolar PANKADÃO em plena Jericoacoara. E disso eu não duvido, pois nós somos um povo com muita pouca cultura e sem a minima intenção de MUDAR.
Eu nunca entendia: ia a Jeri e não encontrava a “JERI DAS PROPAGANDAS”. O que eu via era sujeira nas ruas e na praia, muito barulho, todo tipo de veículo nas ruas, bebedeiras e consequentemente brigas, etc, etc.
Recentemente o esgoto estourou na praia central de Jeri…
Moro em Fortaleza atualmente e concordo plenamente com você, Riq!
Na última vez que fui a Jeri (salvo engano em 2010), a vila já estava infestada de veículos. A magia já estava acabando. E se essa magia acabar, qual a vantagem de percorrer os quase 300km que a separam da capital?
A solução não é complicada, na minha opinião: proibir a circulação de veículos a motor na vila de Jericoacoara. Estacionamentos em Jijoca custam apenas 5 reais por dia, e o transporte entre essas localidades e frequente.
Por alguma “lógica maluca” da minha cabeça, achei Zermatt parecida com Jeri (eu disse que era maluca a lógica). Todos os carros ficam num mega estacionamento fora do vilarejo alpino, e lá só circulam pequenos veículos elétricos. A solução é por aí…
Estive em Jeri pela primeira vez em outubro desse ano e infelizmente preciso concordar com todos os parágrafos deste texto.
Minha expectativa, por se tratar de uma APA, era um local bem mais consciente da preservação da área, mas infelizmente, pra minha decepção, não foi o que aconteceu.
Jeri é linda, encantadora, tem um potencial turístico fantástico por toda a infraestrutura que vc mencionou, mas a falta de bom senso do pessoal que encabeça as atividades por lá espanta… Uma pena! Seria bom que acordassem antes que destruam esse paraíso…
Excelente post, mais uma vez! Parabéns, Riq!
Super super super curtido e apoiado.
Estive em Jeri em 2007. Adorei. Fiquei na Pousada Vila Bela Vista, que é um pouco afastada do Centro. Mesmo assim, em uma das noites, havia uma festa não sei onde, com som altíssimo que varou a madrugada. Não dormi. Felizmente, foi só uma noite. Se foi assim em 2007, imagina agora…
Tô quase chorando. Duas das viagens mais lindas que fiz pelo Brasil tem Jeri no meio: uma num Carnaval que fui pra lá sozinha e outra que fui pros Lençois e terminei lá com o Leozinho ainda pequeno. Espero que isso tenha conserto.
Bisous
Não acredito que Jeri está desta forma. Perdi a vontade de voltar para este Santuário. Conheci há dez anos e sempre quis retornar. Brasil!! Acorda!!!