Valparaíso: surpreendente
À primeira vista, a cidade portuária de Valparaíso, a 120 km de Santiago, assusta. Você sai de uma cidade organizadinha e modernosa como Santiago e de repente dá de cara com um lugar caótico, cheio de prédios caindo aos pedaços. Tudo fica ainda mais esquisito quando você lembra que a cidade vizinha (pegada, contígua, geminada), Viña del Mar, é um balneário clássico e ajardinado, quase côte-d’azúrico.
Acontece que eu tenho uma quedinha toda especial por cidades portuárias. São lugares que costumam reservar boas surpresas a quem tiver coragem e paciência de desvendar seus segredos. Além disso, sempre sinto que lugares imperfeitos têm uma energia mais interessante do que os lugares perfeitinhos.
O que eu sabia sobre Valparaíso antes de ir? Que era no geral feioso mas que tinha alguns lugarzinhos pitorescos. Que a cidade tem personalidade própria e seus habitantes se chamam porteños, como em Buenos Aires. Que era um pólo gastronômico importante, berço de chefs em ascensão. Que estava experimentando uma espécie de renascimento, com uma vida noturna movimentada nos fins de semana.
Baseado nessas informações, decidi que um bate-volta — ainda mais um bate-volta conjugado com Viña — era pouco. Passar a noite seria fundamental para conferir essas informações. O ideal seria dormir lá numa sexta e/ou num sábado. O problema é que a gente voltaria do Atacama só no domingo. Então resolvi ir direto de carro, saindo do aeroporto mesmo (que já está no caminho da costa), e torcer para ainda pegar o restinho da muvuca do fim de semana.
Achei numa revista feminina comprada no aeroporto a dica de um hotelzinho budget-design que tinha aberto há menos de um ano, o Cirilo Armstrong. Apartamentos duplex com cozinha equipada e varanda (e café da manhã normal de hotel); consegui por 96 dólares. Olha que bacaninha:
O quarto é espartano, mas agradável:
O hotel fica numa das ladeiras do Cerro Alegre, que é justamente o point de Valpo (olha a intimidade). Por ali ficam os restaurantes, bares e lojas mais legais da cidade. Mas não só isso. No Cerro Alegre, e no vizinho Cerro Concepción, estão espalhadas as mais bem-conservadas casas coloridas de zinco da cidade, que foram tombadas como patrimônio da humanidade pela Unesco.
Pirei com as casas. Acho que a última vez que eu fiquei tão fascinado por um casario foi nas ruas vitorianas de San Francisco, na encarnação passada.
Acredito que pegar um dia de sol seja essencial para captar toda a beleza das casas.
As fotos foram tiradas em dois momentos — no entardecer do domingo e no início da tarde de segunda-feira (durante a manhã a cidade estava coberta por uma névoa, e fiquei trabalhando no hotel).
Pense em Santa Teresa, misture com Olinda, dê umas pinceladas de Bairro Alto — eis o Cerro Alegre.
Ou, abusando ainda mais das comparações: é um Caminito de verdade, pípols! Um Caminito onde mora gente e tudo — e só os turistas mais bacanas se aventuram 🙂
O trânsito de pedestres entre a cidade baixa (“El Plan”) e os morros se dá por elevadores (“ascensores”). O mais antigo é o Ascensor Concepción, que liga a calle Esmeralda, coração financeiro da cidade, ao Paseo Gervasoni, o mais elegante dos terraços dos morros.
(Ali fica o Gran Hotel Gervasoni — esse da foto da esquerda — provavelmente o mais classudo edifício com fachada de zinco do planeta.)
Descemos até El Plan, demos uma voltinha, mas subimos correndo de volta. Valeu para ver a arquitetura, que lembra a rua XV de Novembro do centrão de São Paulo, mas lá em cima é bem mais tranqüilo, bonito e gostoso.
Lá em cima dá pra fazer tudo a pé. Tirando uma ou outra quadra com aclive mais acentuado, as ladeiras são facilmente encaráveis. Muitos dos restaurantes, cafés e galerias ficam na calle Almirante Montt (que é Almirante Alexandrino/Rua do Amparo do Cerro Alegre).
No domingo à noite havia pouquíssimos lugares abertos. Mas demos sorte, porque o Café Vinilo estava aberto. O lugar é um charme, e totalmente multiuso: você pode passar lá para tomar um café, um trago, comer um sanduba — ou, como os dois esfomeados aqui (tínhamos almoçado um alfajor no vôo da LAN), se esbaldar na excelente culinária chilena que sai da cozinha.
De entrada, pedimos um pebre (vinagrete com coentro e alga, servido com tortilhas) e uma ‘salada chilena’ (tomate assado com recheio de legumes). Pratos principais: um enrolado de porco divino com purê, e uma carne de panela com risoto de quinoa. (A sobremesa é que foi assim-assim: um sorvete de abacate que o Rochinha faz melhor.)
No dia seguinte tivemos mais alternativas: muitos restaurantes estavam funcionando, todos com menus de almoço bem em conta. Escolhemos o pioneiro do Cerro Alegre, o Filou de Montpellier, instalado por ali desde antes do renascimento do bairro. Sopa de cebola, quiche, couscous — tudo muito francês, muito bom e bem barato no almoço (12 dólares o menu completo, sem bebidas).
Da próxima vez vou reservar um jantar no Pasta & Vino, da chef Verónica Alfageme, que recentemente abriu uma filial num hotel-boutique de Bellavista, em Santiago (ao pé do cerro San Cristóbal), o The Aubrey.
Próxima vez? Sim, é claro que vai ter a próxima. Ainda falta tanta coisa para ver nos arredores de Santiago — as regiões de vinhedos, as estações de esqui, as casas de Neruda (tem uma em Valpo, mas fecha às segundas, como todas) — que certamente vou voltar.
Daí aproveito e encaixo um fim de semana valparadisíaco…
Como chegar
Ônibus da TurBus e da Pullmann saem a cada 15 minutos do Terminal Alameda, e levam 1h30 até Valparaíso. Ir de carro é interessante, porque você pode fazer de Valparaíso a base para explorar o litoral norte (Viña, Reñaca, Zapalla) no seu ritmo, e também dar uma chegadinha a Isla Negra, uma hora para o sul, onde está a mais bonita das casas de Pablo Neruda.
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411 comentários
O pernoite em Valparaiso vale muito à pena . Uma cidade com identidade, passado único. Com suas complexidades e contradições, os cerros pulsam arte, entregam gastronomia de primeira, contam histórias e a vocação política do povo chileno. Quanto à segurança, cuidados básicos de qualquer local turístico. À noite, detenha-se aos cerros principais e seja feliz. Viña del Mar e sua cafonice pretensiosa você mata em duas horinhas…
Olá, Felipe! Concordamos 100%!
Vale a pena ir em valparaiso no inverno?
Olá, Danilo! É menos movimentado do que no verão, mas se o seu interesse for pela arquitetura, dá no mesmo.
Oi, boia! Você acha que rola ir para Valparaiso na Sexta-Feira Santa e dormir uma noite por lá ou fica tudo fechado?
Olá, Mariana! Alguns restaurantes abrem, sim. Muita gente de Santiago vai para o litoral no feriadão.
Alguém esteve recente em Valpo. Compensa passar algumas horas por lá em carro alugado ou só ir para vina del mar mesmo? Pretendemos ir agora em fevereiro.
Olá, Alessandra! Muita gente detesta Valparaíso. Outros adoram. O Ricardo Freire adora Valparaíso e não acha graça nenhuma em Viña del Mar. Cada um, cada um. Se for de carro, não deixe bagagem dentro, há quadrilhas que furtam bagagem em carros em lugares turísticos do Chile.
Eu gostei do walk tour. Acho q não seria interessante sem um guia explicando os ptos da cidade. O carro eu deixei num estacionamento. Foi tranquilo.
Obrigada pelo retorno!!! : )
Recomenda a visita?
Oi Cristina, sabe me dizer em qual estacionamento deixou seu carro? Ficou perto do local onde sai o Walkind tour? Vou de carro em julho mas só quero deixar em estacionamentos, não acho dicas de quem foi de carro. Pode me judar?
Gostaria de fazer um passeio pela cidade com um guia para conhecer melhor a historia do local. Voce indicaria algum local para esse tipo de tour?
Olá, Cristina! Não temos. Mas se você jogar no Google “Valparaíso walking tour” acredito que apareçam bons resultados.