De barco de linha entre Santarém e Manaus
Desde sempre eu quero pegar um barco de linha na Amazônia; a vontade só fez aumentar quando fiz o civilizadíssimo cruzeiro do Iberostar Grand Amazon, ano passado. Queria comparar com o jeito roots de cruzar o Amazonas.
View Santarém a Manaus de barco in a larger map
A oportunidade apareceu agora, em Santarém. Depois de Alter-do-Chão, onde passei quatro dias, eu poderia voar a Manaus. Mas resolvi desacelerar e investir dois dias numa travessia, digamos, antropo-slow.
Eu tinha comprado a passagem no dia da chegada; combinei com o taxista de passar nas docas de Santarém antes de ir para Alter. (É um desvio e tanto, porque o aeroporto fica entre Santarém e Alter.)
Desculpe desapontar você, mas não viajei no deck dormindo em rede, não. Juro que gostaria. Mas é que depois do acontecido em Goiânia eu estou um pouco paranóico. E fora isso, queria aproveitar os dois dias da viagem para terminar um texto longo atrasado, e para isso precisava do sossego de um camarote.
Quem vem de Manaus chega a Santarém em 30 horas, mas quem vai de Santarém a Manaus, contra a corrente do rio, leva 42. A passagem no deck custa entre R$ 120 e R$ 150 (tudo é negociável); você precisa levar a sua rede (uma boa custa R$ 50). A suíte, que é um camarote com ar condicionado e banheiro privativo, custa entre R$ 500 e R$ 600 para duas pessoas.
A saída estava prevista para as 12h, e às 11h eu já estava no porto.
Mas o barco só foi liberado para embarque depois do meio-dia — e foi sair quase às 3 da tarde, por causa de um carregamento de dois caminhões de bananas que não terminava nunca, e encheu completamente o deck de baixo.
Ao pegar a chave da minha suíte, a moça perguntou: “em que parte o senhor prefere?”. Eu fiz cara de e-eu-sei-lá?, e ela perguntou de novo: “perto do bar?”. Eu achei uma boa idéia. Só quando cheguei no deck superior, onde fica o bar, é que vi o tamanho da encrenca, digo, da caixa de som.
Felizmente o tecnobrega nas alturas não chegava à minha suíte, então a localização foi a melhor possível, sim. O deck superior é menos apinhado (provavelmente por causa do barulho, e também da possibilidade de chover dentro) e sempre é bom viajar próximo ao carregamento de cervejas geladas…
Minha cabine era espartana mas tinha dois luxos: um ar condicionado split desligável (quando o ar é central o povo morre congelado) e duas tomadas só pra mim. O beliche não era alto e com isso consegui montar meu escritório usando a cama de cima como mesa (e escrevendo de pé). De meia em meia hora eu preciasava dar uma deitada para endireitar a coluna, mas deu certo…
É tudo muito simples mas organizado e, até onde eu vi, limpo (mas, veja bem, não entrei nos banheiros dos sem-camarote). Todo mundo sabe o que deve fazer (e o que não pode ser feito está escrito em letras grandes na parede).
As malas vão num estrado embaixo das redes, as refeições têm horários, não pode subir no deck do bar com bebida alcoólica trazida de fora. O café da manhã custa R$ 5, o PF R$ 8, a sopa, R$ 5. Tem que comprar ficha (neste barco, tinha que ir até o deck de baixo, o das bananas). Muita gente traz marmita, frutas e biscoitos de casa.
O povo viaja arrumado; quem vai esculhambado são os forasteiros (presente!). Os gringos são facilmente identificáveis, of course. Se você não tiver um texto enorme para escrever de pé na sua cabine, pode fazer muitas amizades em português e em inglês.
Resolvi não usar minha câmera grande. Não por receio — me senti superseguro o tempo todo, só tinha medo era de ataque de piratas, haha –, mas para não ser intrusivo demais. Fiquei só no celular mesmo, e curti o resultado. (A maioria destas fotos foi publicada no meu Instagram e retransmitida para o meu Twitter, @riqfreire.)
A vida passa lentamente e a gente vai tão de repente, tão de repente que não… ops, NÃO!, não toca Lulu Santos no som do bar. Muito tecnobrega, isso sim. Se você tem a minha idade, pode fingir que é new wave.
A paisagem é parecida com a que eu peguei no cruzeiro pelo Solimões do Iberostar; a diferença é que agora, no fim de outubro, o rio está bem mais baixo, formando barrancos altos. É incrível ver que lá em cima as casas ainda têm palafitas — sinal de que o rio sobe bem acima do platô.
(De todo modo, numa viagem dessas a paisagem externa não tem como competir com o ecossistema dentro do barco — é covardia, Brasil.).
As duas noites foram bem dormidas, dentro das limitações (em todos os sentidos) da minha cabinezinha sem janela. Mas acho que deve ser mais divertido viajar na rede, mesmo, sem um texto enorme atrasado para escrever de pé.
As paradas no caminho foram rapidíssimas, bastante eficientes; o barco conseguiu recuperar aquelas três horas de atraso e chegou no horário marcado, 10h, em Manaus.
A chegada no porto é tranqüilíssima. No cais estarão alguns táxis-frete, que levam para longe de Manaus. Eu atravessei todo o terminal e peguei um táxi no ponto. Usou o taxímetro e tudo — isso que a minha corrida era curtinha, até um hotel no centro mesmo.
Agora, para a comparação ficar completa, ainda falta um cruzeiro num barquinho de charme…
Leia mais:
- 3 vezes Amazônia: Iberostar x Anavilhanas x Mamirauá
- Todas de Alter do Chão no Viaje na Viagem
- Hotéis econômicos em Manaus
- Guia de Manaus no Viaje na Viagem
115 comentários
A-DO-REI as legendas das fotos!
Adorei seu relato.
Morri de rir na parte da musica new wave, que eu adorava dancar, hahaha.
Mas, para ser sincera, acho que eu nao encararia uma viagem desta (lado super fresca). Optaria pelo barco de charme que agora estou super curiosa para saber qual eh!!!!!
Ana, os da Katerre parecem ser os mais bacanas:
https://www.katerre.com/portal/
Uau,muito bacana.
Mais uma vez, obrigada querido.
Bora convencer o Miguel.
Amei, mas, por enquanto, estou pensando em fazer o IBERO próximo ano. Fico insegura com enjôo, meu e dos outros (lado meio fresquinha, que eu gostaria de superar).
Rosa, essa viagem no barco de linha vale pela cor local e pela experiência antropológica. Mas para ter experiência de selva, o cruzeiro é redondinho, e inclusive oferece um bom custo x benefício — já que em terra firme qualquer passeiozinho sai 150, 200 reais por pessoa.
Belo relato! Eu ja fui para o Norte muitas vezes, quando trabalhava com a ministra Marina Silva, mas nunca fiz esta viagem. Fiz outras…como passar uma semana na Reserva do Tapajós! O norte é muito diferente do que costumamos chamar de “Brasil”.
Beleza. Beleza.Beleza.
Há muitos anos
fui de Belem a Manaus.
As Câmaras fotograficas
ainda usavam filme 12 poses.
Planejo para breve outra.
Me lembro q de um relato do Seth Kugel, nao sei exatamente o trajeto, mas ele foi de rede e também tirou fotos belíssimas e fez amizade com umas crianças fofas!
A minha sugestão para a sua próxima viagem de barco na Amazônia é ir de Manaus até São Gabriel da Cachoeira. 😉
Que delícia de viagem, hein?
Há alguns anos fiz o trajeto no sentido contrário: Manaus/Santarém/Belém, parando alguns dias em Santarém e Alter do Chão.
Adorei e faria tudo de novo, sem pestanejar.
Minha viagem tá detalhadinha aqui, ó:
https://deunstempospraca.blogspot.com.br/search/label/amazonia?m=0
Ja fiz de barco, tbem de camarote, Manaus/Parintins, que dura 24h. A Regiao Amazonica eh linda! Sinto muito orgulho de pertencer a essa gente! Parabens pelo belo trabalho!
Que máximo esse seu texto… Adorei, Ricardo!