João Pessoa: como ficou o pôr do sol na Praia do Jacaré, agora sem bares
Em 2001, o músico Jurandy do Sax teve uma idéia para aumentar o movimento do seu bar, à beira do rio Paraíba, em Cabedelo, vizinha a João Pessoa. Na hora do pôr do sol, passou a subir numa canoa e acompanhar o espetáculo tocando o Bolero de Ravel, ziguezagueando pra lá e pra cá da linha desenhada no rio pelo holofote natural do sol.
Não parou mais: já são quase 6.000 apresentações. O sax é tocado ao vivo, sobre uma base pré-gravada. Nos momentos finais do entardecer, o sol parece dançar na cadência do Bolero, caindo um pouquinho mais a cada tchã-tchã-tchã-tchã/tchã-tchã da marcação — e perdendo a força a cada floreado da melodia, como se Jurandy tocasse uma canção de ninar astros incandescentes. Muitas vezes (eu já presenciei isso em pelo menos três ocasiões), Jurandy consegue sincronizar o último acorde com o derradeiro suspiro do sol antes de se esconder atrás da mata na margem oeste do rio.
O sucesso do show bolado por Jurandy foi tamanho, que passou a ser transmitido por alto-falantes para todos os bares da orla — que foram crescendo, com píers supergostosos, onde se passava o melhor fim de tarde da região de João Pessoa. Depois do pôr do sol, Jurandy desembarcava em algum dos bares para continuar o show (com direito à Ave Maria de Gounod às 6 em ponto). Quando você chegava no Jacaré — lá pelas 4 da tarde, para pegar uma mesa boa — já ia perguntando em que bar o Jurandy estava se apresentando.
Quem não quisesse entrar num dos bares, porém, podia assistir ao espetáculo da orla, nos vãos entre os bares, ouvindo o mesmo som de quem estava sentado nos píers. E também começaram a aparecer passeios de barco, para quem quisesse assistir ao show do Jurandy de outro ângulo.
Com apresentações 7 dias por semana, o pôr do sol na praia do Jacaré se tornou a principal atração turística de João Pessoa. O fluxo de turistas fez surgir uma vila de lojinhas de artesanato, souvenirs e moda praia. A cada vez que eu voltava, eu pensava — caramba, e tudo isso começou porque um cara inventou de subir numa canoa para tocar sax.
Até que…
Fique bem localizado
A demolição dos bares da praia do Jacaré
Depois de anos de recursos se arrastando nos tribunais, em julho de 2015 o Ministério Público finalmente conseguiu que a Justiça mandasse demolir todos os bares da orla da praia do Jacaré, por ocupação irregular de terras do Patrimônio da União.
Essa situação se repete Brasil afora. Onde quiser, e tiver disposição para se contrapor a todos os recursos, o Ministério Público derrubará qualquer estrutura erguida em praias, por mais tradicional que seja. A lei não dá espaço para que se licite, regularize, imponham regras estritas de controle sanitário e ambiental: nada. A legislação atual manda pôr abaixo, para júbilo de estraga-prazeres de norte a sul. Oba! Vagabundo não vem mais beber nas sagradas terras da Marinha e da União.
Passei por João Pessoa em 2015 exatamente durante a execução da demolição. Deu dó. Naquela tarde, os operários não desligaram as máquinas nem durante o show: assisti ao Bolero da mureta, com percussão de britadeira.
Não acredito que o Patrimônio da União tenha ganho alguma coisa ao ser executada a demolição dos bares. A União só perdeu: perdeu dezenas de emprego de garçons, cozinheiros, auxiliares de cozinha, faxineiros e funcionários administrativos; perdeu impostos gerados pelo consumo nos bares. O Brasil perdeu uma agradabilíssima orla de bares sobre palafitas à beira-rio. Do meu ponto de vista, o Patrimônio da União não foi defendido: ficou mais pobre, isso sim.
Roteiro de passeios
O show tem que continuar
Quer dizer que não tem mais pôr do sol com Jurandy do Sax na praia do Jacaré? Calma: tem, sim!
O show continua acontecendo, de maneira diferente. Não existem mais os bares, mas as duas outras maneiras de assistir continuam valendo: dá para ver de pé, da mureta, e também dá para pegar um dos passeios de barco que zarpam diariamente a partir das 16h.
A coisa foi rapidamente reorganizada, e funciona muito bem. Os barcos — grandes, de dois andares — substituíram os bares como melhores camarotes para ver o pôr do sol. O primeiro deles zarpa perto das 16h.
Comparado à experiência de assistir sentado num dos bares, o programa fluvial é bem mais dinâmico. Começa com um passeio ao longo da orla, com um narrador (no meu barco, fantasiado de jacaré…) que conta curiosidades históricas sobre a praia e sobre Jurandy.
Além do pôr do sol — quando o barco pára para que todos acompanhem a coreografia do barquinho do Jurandy e a descida final do sol — o passeio tem mais dois momentos: uma canja do Jurandy e uma sessão de forró. Jurandy sobe para tocar por 10 minutos em cada um dos barcos: em alguns, sobe antes do pôr do sol; em outros, sobe depois.
O momento forró tem música gravada e animação de um casal de Lampião e Maria Bonita.
Se Jurandy subir no barco antes do pôr do sol, o forró acontece depois do pôr do sol; caso Jurandy dê sua canja depois do pôr do sol, então o forró acontece antes.
É um passeio muito bem bolado — e que, acredito, deve agradar até mais à maioria dos turistas do que a experiência estática no bar.
Mas para outro tipo de turista (e certamente para os moradores de João Pessoa e Cabedelo), o relax de um happy-hour sobre palafitas à beira-rio infelizmente não encontra substituto num passeio barulhento de grupo.
Em terra firme, só existe um único restaurante, instalado na mesma calçada das lojinhas, para quem quiser comer na volta do passeio. Ah, sim: o centrinho de artesanato continua como era.
O passeio dura 90 minutos e pode ser contratado no local por R$ 35. Se não tiver comprado seu passeio com antecedência, apareça cedo, porque os barcos podem lotar (às vezes, têm sua lotação inteira vendida antecipadamente para agências de turismo receptivo).
A praia do Jacaré fica em Cabedelo, à altura da praia de Intermares. Está a 14 km do centrinho de Tambaú. De táxi, espere gastar entre R$ 35 e R$ 40 do centrinho de Tambaú até lá (e outro tanto para voltar; outubro/2016). Querendo vir de ônibus, pegue o 513/Tambaú-Bessa em Tambaú, faça transbordo no terminal de integração do Bessa (fim da linha) e prossiga no 5104/Cabedelo; a passagem, que inclui o transbordo, sai R$ 3 (outubro/2016). Você vai parar na BR 230, a pouco menos de 10 minutos de caminhada da orla, por uma rua sem movimento de pedestres. Para voltar, há táxis esperando na orla.
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69 comentários
Estive aí na Sexta-feira Santa esse ano e vi o por do sol de um dos barcos, comprei o passeio em uma agência e foi bem divertido. Recomendo a todos.
Vale também fazer um passeio pelas lojinhas que vendem de tudo um pouco.
Pois vou te dizer uma coisa: ainda bem que desmontaram aquelas barracas ! Fui em janeiro e passei foi raiva ! Não conseguiu ver nada, uma multidão de pessoas se apertando e empurrando, garçons não servindo nada no meio da confusão. Um horror ! Deste novo jeito parece que pelo menos é mais organizado.
Olá Ricardo.
Completei meu comentário inicial mas concordo plenamente contigo!
Com estas informações complementares, realmente não faz sentido.
Até porque, por outro lado, se houver um “excesso de proteção” (que nunca ocorre onde deveria, aliás), para quem sobrará usufruir (não “destruir”) do patrimônio natural, não é?
Estive na praia do Jacaré e tive o prazer de assistir ao musical oferecido do barquinho pelo Jurandir. Realmente é imperdível. Valeu a pena ter ido e recomendo.
Lendo a matéria, alguns pensamentos me passaram pela cabeça, nesta ordem:
1- “Que bom que MP está cuidado do patrimônio natural que pertence a todos moradores e turistas, independentemente se estes têm dinheiro para gastar num bar”.
Explico: sabemos de inúmeros casos pelo Brasil afora que o espaço público foi indevidamente apropriado por quem já tem muito dinheiro ou por quem tem amigos influentes…
2-“Mas será que não existe um meio-termo?”
Explico: O poder público no Brasil costuma ser 8 ou 80: ou fecha os olhos para os “amigos dos amigos” tomem conta de tudo ou proíbe tudo de todos, por mais que gere emprego e não seja destrutivo a nada e nem a ninguém.
3-“Ah.. Por mais que tenha sido exagerado, o turismo local não vai acabar… o pessoal vai dar um jeito…”. Então leio em seguida que novos passeios foram criados, a feira de artesanato continua funcionando, o Jurandy continua dando show, que tudo foi rapidamente bem reoganizado e bem b
(continuando, porque enviei o texto acima sem querer :-D)
… e bem bolado!
Ou seja, embora o poder público seja lento e muitas vezes desmedido, prefiro que pequem por excesso quando o assunto é proteger e liberar a natureza (a orla e a faixa de areia, neste caso) para uso de todos que ali morem ou por lá passeiem!
Senão é capaz de as crianças do futuro não conhecerem praia sem bar em cima da mesma forma que muitas já acham que ovo de galinha é feito em fábrica… 🙁
Angelo, o problema é o item 2, ou tudo ou nada. No caso específico do uso recreativo de praias e orlas, existe um claro descompasso entre a lei e o interesse do público. Dá para ocupar sem destruir. No caso do Jacaré, os bares já funcionavam sobre palafitas. A derrubada dos bares não muda a configuração da mureta de contenção: este trecho da orla não é mais natural, e uma marina continua existindo (marina pode; bar em píer não pode). No Brasil inteiro estão impedindo o funcionamento de estruturas que são úteis à comunidade e ao turismo; na orla norte de Salvador as barracas (que eram um lixo, mas que poderiam melhorar muito, se regulamentadas) deram lugar a ambulantes (que são um lixo, e não vão melhorar nunca, porque estão imunes a qualquer tentativa de controle ou regularização).
O problema é de legislação. Estou acompanhando esse problma há um tempinho, já falei aqui:
https://www.viajenaviagem.com/2015/08/barracas-de-praia-derrubar-nao-e-solucao
Tive a oportunidade de assistir a esse show quando ainda existiam os bares. Era muito bom. Ainda bem que o povo é criativo e criou uma solução.
Excelente trabalho!
Eu fui em out/14. Foi simplesmente incrível.
Interessante, mas fiquei curioso para saber quem paga o Jurandy…
Olá, Pedro! Não sabemos o acordo comercial, mas ele certamente é remunerado pelas agências que operam os barcos — inclusive porque até se apresenta neles.
Antes dessa trágica medida pedida pelo MPF, havia a cobrança de um couvert nos bares de 5 reais por pessoa.
Oi Bóia!
Vou passar o réveillon em João Pessoa, mas não sei onde passar a virada exatamente. Chego em JP dia 29/12 e fico até dia 02/12.
Então? Qual o melhor réveillon de João Pessoa?
Vamos em dois casais jovens. E gostaríamos de uma praia aconchegante, mas não deserta!
Nos dê dicas =]
Olá, Deborah! Vamos compartilhar sua pergunta no Perguntódromo. Havendo resposta, aparecerá aqui.
Olá Deborah, respondendo a sua questão, há o Réveillon tradicional na praia de Tambaú, com shows e queima de fogos, que é aberto e gratuito. Nas praias do litoral sul existem diversos hotéis que também fazem as suas festas privativas. Se for optar pelo de Tambaú, é aquele esquema normal de festa em praia, muita gente, mas é seguro. Se quer algo mais reservado ou tranquilo sugiro o reveillon da Pousada Aruanã, que fica sobre uma falésia em uma das praias mais bonitas do litoral sul, espero ter lhe ajudado
Oi Déborah! Se vc quiser algum lugar privativo e animado pertinho cidade, procure o Lovina, é um barzinho super legal na beira mar em Cabedelo (que é ao lado de JP, vc com certeza vai pra alguma praia lá). Dá uma olhada no Instagram deles!
Não deixe de visitar o Bar do Golfinho (super tradicional e movimentado no bairro do Bessa) e fazer o passeio de Areia Vermelha! Boa sorte!