Alto do Moura, Caruaru: um encontro com Mestre Manuel Eudócio
| Ateliê de Manuel Eudócio, Alto do Moura |
Na minha última passagem pelo Recife, fiz um passeio que estava na minha lista há séculos: ir a Caruaru, a 130 km. Fomos numa segunda-feira, porque era o dia em que nossa amiga Socorro poderia ir com a gente.
Se você está em Boa Viagem, saia pela rua Ribeiro de Brito e siga em frente — você vai dar na BR 101 e em seguida vai ver placas para a BR 232 e Caruaru. A estrada é inteiramente duplicada; tem um trechinho de serra, na subida a Gravatá, mas na maior parte do trajeto é plana e reta.
Em menos de duas horas já estávamos no engarrafamento nas redondezas da Feira de Caruaru, nossa primeira parada do dia.
Se você está a passeio, a Feira é uma mera curiosidade. Há muito tempo o lugar deixou de ganhar a vida como ponto turístico. O que come solto aqui é o turismo de negócios! Caruaru é a vitrine de um importantíssimo pólo de confecções do Agreste pernambucano. O produto típico da região é o… jeans. As ruas do entorno do núcleo original da Feira funcionam como um grande shopping de atacado. Vans, vans e mais vans trazem compradores de longe e passam o dia estacionadas no perímetro da feira.
[Feira de Caruaru]
Mas se tudo o que você quer é comprar uma sandália de couro bacana, tudo bem: você vai achar
Nosso objetivo principal em Caruaru era subir ao Alto do Moura, o bairro que reúne os ateliês dos artesãos que continuam a arte figurativa em barro de Mestre Vitalino. Do centro de Caruaru não há placas para o Alto do Moura, mas na BR o caminho é sinalizado. (Eu pensei que ia achar fácil no Google Maps, mas não há registro da rua Mestre Vitalino, onde ficam os ateliês.)
[Casa-Museu de Mestre Vitalino]
Nessa aventura, tivemos um pequeno azar e uma grande sorte. O pequeno azar foi o fato de, por ser segunda-feira, muita coisa estava fechada — incluindo a Casa-Museu de Mestre Vitalino. Mas isso foi compensado pela grande sorte de ter ido com a nossa amiga Socorro.
[Alto do Moura]
No meio do caminho, a Socorro ligou pro Marcelo Silveira, talentoso artista plástico que tem ateliês no Recife Antigo e em Gravatá. Quando ouviu “Alto do Moura”, o Marcelo foi categórico: “Vocês tem que ir no Manuel Eudócio!”. Então tá. Chegamos, perguntamos na rua, e nos disseram para continuar quase até o fim. De fato, no meio da ladeirinha, à esquerda, o ateliê apareceu.
[Mestre Manuel Eudócio]
A porta estava aberta e, no canto da oficina, lá estava ele: Mestre Manuel Eudócio, aos 80 anos, lépido, moldando um de seus personagens. No chão e nas prateleiras, peças pintadas e assinadas: bois, casamentos na roça, reisados completos. Mestre Eudócio tem um estilo próprio: sua marca registrada são as máscaras usadas por seus personagens. Eu olhei e começou a tocar na minha cabeça “Festa no interior” — parapapapapapá… pá pá pá pá.
[Manuel Eudócio]
Nas paredes mestre Eudócio pendura fotos dos famosos que já estiveram no ateliê. Estão lá também os anúncios que ele estrelou para uma campanha publicitária do Banco Real. E o seu maior orgulho: a foto do presidente Lula e dona Marisa presenteando Bento XVI, no Vaticano, com peças suas.
Se não fosse pela dica do Marcelo, eu teria perdido essa chance de conhecer o único dos grandes mestres ainda vivo (os outros são Vitalino e Galdino). Mais tarde, googlando, descobri que Manuel Eudócio foi declarado Patrimônio Vivo de Pernambuco — um título que divide com pouquíssimos gênios da cultura popular, como o xilogravurista J. Borges e a cirandeira Lia de Itamaracá.
As peças de mestre Eudócio não são baratas. As menorzinhas saem por R$ 150. Peças maiores ou com cenas completas podem sair até R$ 3.000. Eu ainda teria mais 2.000 km de chão Nordeste afora, por isso acabei não levando nada. Mas hoje me arrependo — uma peça comprada naquelas circunstâncias, mesmo que acabasse quebrada, teria grande valor afetivo.
Saímos encantados — e famintos. Como não havia restaurante aberto no bairro, resolvemos comer na estrada, em Gravatá.
[Memorial J. Borges, Bezerros]
Mas antes, tínhamos mais uma parada cultural. Também à beira da estrada (no sentido interior-Recife), no km 106 (em Bezerros), encontra-se o museu de outro monstro Patrimônio Vivo de Pernambuco: J. Borges, o mais ilustre dos xilogravuristas pernambucanos.
[Memorial J. Borges]
O Museu da Xilogravura (ou Memorial J. Borges) é um grande ateliê onde seus cordéis, gravuras e ladrilhos são expostos e vendidos. Nos fundos você pode ver xilogravuristas em ação, usando as prensas. É um ótimo lugar para você fazer um shoppingzinho de souvenirs: encontra postais, blocos, cadernos, folhetos de cordel e outros presentes levinhos e baratos. E numa dessas, vai que você encontra o artista…
Nós encontramos o artista. Não o J. Borges, mas o Marcelo Silveira, que nos deu a dica de Mestre Eudócio. Ele estava trabalhando em Gravatá e veio encontrar com a gente no Dona Severina, refinado restaurante na BR 232 (excelente carne de sol). Obrigado, Socorro! Obrigado, Marcelo! Graças a vocês, estou repassando a melhor dica de Caruaru 😀
Leia mais:
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11 comentários
Você não visitou o Museu do folclore em Bezerros. É simplesmente fantástico
Sugiro visita ao seguinte “site”: https://www.portalaltodomoura.com.br/ .
16 de junho de 2014 às 11:48
Da próxima vez não deixem de conhecer São José do Egito sertão de Pernambuco o berço imortal da poesia,além de arte cultura e lazer que a cidade oferece ao turista e de preferência em Julho a tradicional festa universitária vocês vão amar a nossa cidade é centenária…
Não sei o q estava procurando ou de “onde vim” pra parar aqui, mas estou muito feliz por me descobrir lendo seu relato de viagem. É sobre a minha terra, apesar de que, há 10 anos no Rio, me sinto Carioca, de Pernambuco, mas isso é outra história! Quero dizer q foi uma grata surpresa saber q recebemos sua visita e ver q os poucos lugares em q vcs estiveram, foram tão bem descritos. Da próxima vez, não deixe de ir a Fazenda nova, onde fica o Teatro de Nova Jerusalém, pq embora não seja Caruaru, é muito próximo e pode-se dizer, passagem p/ este destino. um santuário no meio do Agreste, fruto da determinação de um visionário. Bonito, bem cuidado e na época de semana Santa, abriga um belo espetáculo. Abçs e saiba q adoro seu programa na Band!
Em Bezerros há o Museu do Folclore que é fantástico. Não consegui acreditar que estava no sertão nordestino. Além do acervo abrangente das artes populares é auto-explicativo. Já estive lá duas vezes ( e centenas de fotos) e pretendo voltar.
A cidade de Bezerros tem uma dezena de ateliers de xilogravuras
Antes de chegar em Gravatá BR 272 km 71 tem a loja de laticinios ( em Recife também tem, mas não sei onde) Campo da Serra, que., me desculpem os mineiros de Cruzília, e os Capixabas de Venda NOva do Emigrante, dá de dez a zero na qualidade dos queijos.
Há muito tempo, por alguns anos, eu estudei em talhe doce e xilogravura. Certamente um dia eu vou voltar a gravar, porque ele realmente me fascina tanto gravura em “aguafuerte” ou em “punta seca” (disculpe, eu não sei a tradução) como o trabalho em xilogravura. Excelente encontrar esse Museu de Xilogravura.
Adorei a dica!
Parabens Riq! Texto e fotos maravilhosos.
Fiquei com vontade de fazer este passeio.
que belo passeio. como boa pernambucana, já tive a oportunidade de visitar vários desses locais.
os que não conheço, já anotei para visitar em uma próxima oportunidade.
“A feira de Caruaru,
dá gosta da gente vê.
De tudo que há no mundo,
nela tem pra vender.”
(pelo visto, já não é mais como nos tempos do Gonzagão, mas pelo menos a obra de Mestre Vitalino vai se perpetuando)
Parabéns, Riq! Cultura popular brasileira, que coisa mais linda!