O dia em que a gente jogou a leitora no meio do tiroteio
No começo do mês, a Zuzu entrou num post sobre o Rio para perguntar: qual o hotel mais indicado para um corredor da Meia-Maratona que aconteceria dia 22? O ideal seria ficar o mais próximo possível da largada.
Sem resposta na manga, repassei a pergunta aos viajonautas, colando a dúvida no alto do Perguntódromo daquela semana. Foi um sucesso: um pequeno concílio de cariocas, corredores e cariocas corredores se reuniu instantaneamente, e o veredicto foi: Intercontinental, sem dúvida! A Meia-Maratona sai em frente!
Pois bem. Nossa Zuzu foi e o que aconteceu está em todos os jornais — um tiroteio entre traficantes e policiais, com tomada de reféns e tudo. Felizmente a Zuzu nada sofreu, fora o trauma. Hoje de manhã ela passou aqui no site para contar como a sua experiência.
Chegamos ao Rio pela manha, fomos diretamente ao Monumento aos Pracinhas retirar os kits de corrida e de lá tomamos um táxi para o hotel Intercontinental.
No caminho, conversando com o taxista, ele nos contava de quão tranqüila estava a cidade, que as Unidades Pacificadoras nos morros vinham fazendo toda a diferença, etc. E não tem como não se render à beleza do Rio num dia de sol, sábado de manhã!
Chegamos ao InterContinental e estranhamos toda a movimentação (dois “caveiroes”), helicóptero, muitos policiais armados até os dentes…
Nosso taxista nos disse que uma “autoridade” estava hospedada no hotel e “vapt” — zarpou de lá!!!
Ficamos em frente ao hotel (na rua , junto à guarita), com mais dois hóspedes, sem nenhuma informação.O hotel estava com as entradas fechadas. Então procurei um funcionário ou algum policial que pudesse nos dizer algo. Não havia funcionários . O policial (acho que era do BOPE) não me respondeu nada.
O outro hóspede me disse que um bando de traficantes estava lá dentro, que o BOPE tinha entrado , mas que a situaçao estava caótica e sem definição.
Não havia mais táxis por ali.
Fomos então (no meio dos policias, imprensa, etc) ao Fashion Mall, pois eu estava com muito medo de um tiroteio, bala perdida, etc.
Chegamos ao Fashion Mall fechado e deserto. Eles fecharam o shopping com medo.
Tentei ligar várias vezes pro próprio hotel e ninguém atendia, claro.
Liguei ao 0800 do Intercontinental e nenhuma informaçao. A atendente não quis cancelar minha reserva, pois era uma tarifa internet, não sei o que. Eu lhe explicava que não era uma situação normal, que eu não podia entrar no hotel. Ela me pediu um momento e… desligou!
Saquei meu livro do mestre “Cem praias…”, que sempre carrego em destinos de praia (quando te conheci no Toque, estava com o livrinho também, sem imaginar que voce fosse estar lá!!!) e ia começar a ligar de hotel em hotel prá tentar arrumar vaga. A cidade estava lotada, só de corredores eram 18.000 .
Mas aí, por volta de 12h40 o shopping reabriu. Me acalmei, fomos almoçar e esperar.
Depois de umas duas horas, voltei a ligar pro hotel , neste momento atenderam, mas não tinham previsão de reabertura.
Bom, ia ligando e monitorando, quando por volta das 16 horas conseguimos entrar no hotel. Não fui “passear” neste meio tempo, pois estava cansada, confusa, com medo e sem táxi!
Os funcionários estavam atônitos, uma fila enorme no balcão, a cozinha não funcionava (escutei o gerente dizer que estava tudo ao chão), só estavam servindo bebidas.
Os quartos ainda não estavam liberados.
Áreas comuns, trancadas.
Resumo da ópera: uma sensaçao estranha, parecia um “fim de festa”, por incrível que pareça. Ainda tinha gente chorando no lobby.
Bom, Riq e trips, por sorte eu cheguei durante o acontecido mas não estava dentro do hotel, tomando café, por exemplo. Os cinco hóspedes que foram feitos reféns estavam no café.
Conversei com um funcionário que foi refém, e ele me disse que a princípio os traficantes estavam “calmos”, mas depois ele foi ameaçado, com uma arma na cabeça.
Acho que foi um fato lamentável, mas de certa forma “isolado” pela maneira como se desenrolou. Não é (ou pelo menos era) comum invasão de hotéis.
Fiquei com muito medo, e acho que a desinformação pesou. Não pude descansar quase nada pra prova.
Fiquei com medo de correr.Mas fui (fomos) otimistas e corremos, a corrida foi linda, todo o pessoal do Vidigal nos apoiando, mas tava um clima de “ressaca”.
Voltaria ao Rio, a esta meia maratona, mas com um pouco de receio.
Não sei, no Rio tudo está muito ligado, o morro e a praia, Zona Sul e favela, turismo e tráfico. Parece muito lábil esse equilíbrio.
Entre tantos hotéis no Rio, estava lá. A indicação dos trips teria sido perfeita mesmo, mas …
Minha próxima meia maratona é em Estocolmo, dia 11/09, embarco dia 04/09, acho que lá não vou ter essa “emoção”.
Espero que o Rio e o Brasil sempre melhorem, pros turistas e pra todos.
Meu comentário: de todos os absurdos, o maior foi terem desligado na sua cara no 0800. A atendente não era refém de nada nem estava sob mira de arma.
Quanto ao Rio, reitero o que venho dizendo desde o ocorrido: a única resposta cabível do Rio é apressar as UPPs em Vidigal e Rocinha. Qualquer outra coisa é rolar lero.
Bem-vinda de volta sã e salva, Zuzu, e obrigado pelo depoimento!
53 comentários
Lamentável. Aqui na Suíça foi capa dos principais jornais. Li até uma crítica sobre ir ou não ao Brasil nas férias Suíças.
Zuzu, já sofri umas e outras parecida.Vou contar uma que passei num Hotel na cidade de Toronto – Canadá, não contar assim como você descreveu mas, do meu jeito, brincando, rindo e sem malícia, veja: https://vaconferir.blogspot.com/2010/07/fogo-no-hotel.html
Está no blog vaconferir com o título de: Fogo no hotel.
Luz prá você na próxima maratona.
Riq e trips, obrigada pela força!!! Nem tinha visto que minha situaçao tinha merecido um post, e tinha acabado de complementar lá no post inicial que nao houve qualquer compensaçao por parte do hotel e que eu compreendia, e ainda me desculpava por erros de concordancia e um ou outro de construçao de texto, dizendo que sou interrompida a todo momento aqui no trabalho e escrevo em “doses homeopáticas”.
Obrigada pessoal. Como diz minha mae: “Entre mortos e feridos salvaram-se todos”(pena que houve uma morte, mesmo do lado dos bandidos).
Gabriel, me lembro de sua recomendaçao, mas optei por ficar lá no Intercontinental por estar na largada e porque dispunha de pouco tempo.
Detalhe: moro no interior do PR, e prá chegar ao aeroporto tive que sair de casa as 3 da manha, e como tinha sido meu aniversário na sexta, dia 20, fui direto sem dormir(e sem beber, é claro!).
Por isso sabia que estaria cansadérrima!
Riq, lembrei de duas coisas relacionadas a voce: da série Rio , do mito “Turista só se ferra “(claro que continuo achando nao ser verdade isso, mas me lembrei, quando estava na frente do hotel parada, com medo de uma bala)e quando ia buscar outro hotel, nao tinha nenhuma referencia e estava com seu livro.
zuzu, ninguém imaginou que isso fosse acontecer. O ruim do Intercontinental é que ele é longe de tudo. Ficando em Ipanema ou Leblon você sempre estará melhor localizada. E como em finais de semana o trânsito é calmo a locomoção é fácil.
Putz, eu fui a primeira a recomendar o Intercontinental e fiquei super mal por isso, mas não tinha como advinhar. Vim na página e a pergunta já tinah saído do perguntódromo. Desculpe. 🙁
Espero, pelo menos, que a sua corrida tenha sido ótima.
Imagina Luca, ninguém é responsável por nada disso, voce ajudou e muito, se nao fosse esta situaçao teria sido perfeito.
Inclusive no meu comentário pós corrida, lá no post inicial,começo agradecendo!
Voces foram ótimos, como sempre, mas a situaçao foi “surreal”.
A indicação era a melhor possível para o caso, Luca. Foi uma fatalidade.
Eu lembro que recomendei que ela ficasse no Leblon.
É como diz Fernanda Abreu : “Rio 40 graus, cidade marvailha, purgatório da beleza e do caos….”
O Rio é exatamente isso!!! Quando tudo parece estar bem, algo nessa proporção acontece . Eu amo o Rio, a energia de lá é maravilhosa, lugar encantador, mas ao mesmo tempo é uma bomba-relógio!
Então, eu não sou daqueles que exageram os problemas e riscos e nem sai de casa (já fui sozinho pro interior do interior de Rôndonia, Venezuela, e outras áreas “perigosas”). Ainda assim, embora já tenha ido ao Rio algumas vezes e não seja um lugar estritamente off-limits, é inegável que eu me assusto, incomodo e frusto com o fato da violência urbana e seus focos (favelas) estarem tão proximos e tão aparentes das áreas do meu interesse.
SP também tem sua cota de problemas, mas se vc não se aventurar lá para o Grajaú ou para a Brasilândia, o circuito Pinheiro-Jardins-Higienópolis-Moema é relativamente tranquilo (exceto pelo trânsito), vc não tem uma favela com tiroteio na porta do seu hotel e por aí vai (idem para a maioria das demais capitais, exceto Salvador).
Essa proximidade de áreas turísticas e foco de pobreza e violência nunca dá certo, certo ou tarde “shit happens” como se diz nos EUA. Por isso precisavam remover as favelas, dar moradia digna para essas pessoas lá na Zona Oeste onde sobra espaço, botar tudo no chão, apagar esse câncer urbano das favelas, e tornar os morros áreas verdes ou condomínios/áreas comerciais de altíssimo e caríssimo padrão.
Só pra complementar: a idéia de oferecer moradia na Zona Oeste só vai dar certo no dia em que houver transporte de massa de qualidade no Rio de Janeiro. Não adianta pensar em metrô, porque o solo do Rio não é adequado para a construção de uma malha decente – o solo é rochoso, só se constrói metrô explodindo tudo. Precisamos de transporte ferroviário decente, não da vergonha que são os trens da Central. Enquanto a pessoa tiver que encarar 3 horas de ônibus pra sair da Zona Oeste e chegar ao trabalho e mais 3 horas pra voltar, nenhuma moradia digna vai suplantar as qualidades (diga-se, location, location, location) da favela…
Isso é tão utópico quando a paz no Oriente Médio .
Hahaha… O transporte de qualidade ou a remoção das favelas? Ou os dois?!? 😉
Rá !
Carlinha , estava comentando a *propaganda-eleitoral* do André :
..”botar tudo no chão, apagar esse câncer urbano das favelas, e tornar os morros áreas verdes ou condomínios/áreas comerciais de altíssimo e caríssimo padrão”
❓
Carla, uma correção técnica-nerd: os solos do Rio estão entre os melhores para serem perfurados por metrô em cidades litorâneas. Os maciços rochosos precisam de “shields” (os “tatuzões”) especiais, mas são muitíssimo mais estáveis do que solos argilosos ou arenosos. Se Amsterdam (solos moles e em processo natural de assentamento contínuo) construiu metrô, Lisboa (com todo o risco sísmico), Los Angeles (no meio de uma falha geológica), não é o Rio que não consegue.
Em termos de estabilidade eu concordo, André – aliás, quem sou eu pra discordar, apenas repito as informações que já ouvi a respeito… 😉
Mas, na prática, a construção do metrô no Rio sempre deu muita dor de cabeça à população, justamente porque não dá pra ir cavando no subsolo e só quebrar o ponto onde serão feitas as estações – a cidade tem que ser praticamente posta abaixo e reerguida! Cada novo trecho demora aaaaanos para ser construído – cada nova estação em Copacabana e Ipanema foi um parto!!!
Ainda assim, eu não sou contra o metrô – muito pelo contrário! Aliás, eu sou a favor até de se estender a malha até Niterói – afinal, se em Nova York o metrô vai até o Queens, poderia perfeitamente vir até aqui também. Apenas eu não acredito que isso vá acontecer um dia…
Acabo achando que os trens, por serem uma alternativa mais barata, seriam uma escolha mais viável para o transporte de massa…
Em tempos de eleição , idéia de girico:
Um trem de superficie , ao longo de toda a orla , da Barra até o Galeão , por cima do calçadão 😉
( e ainda vai beneficiar a população burguesa caminhante com sombra, ao menos no horário do almoço )
Bom, essa história de quebrar a cidade não existe mais. Isso acontecia com métodos antigos, o fatídico VCA (vala a céu aberto). Hoje se usam os tatuzões, com muito menos interferências na superfície, exceto nas estações.
Há apenas um, e somente um, problema no transporte público do estado do Rio de Janeiro: falta de intere$$e.
Aliás, esse é o mesmo problema que afeta a segurança na capitania do Rio de Janeiro.
Quem sabe as soluções que deram certo em Nápoles não funcionam no Rio?
A idéia de transferir as favelas para outro ponta da cidade somente transfere o problema. A zona oeste não é como antigamente, uma área imensa e desocupada, barra e recreio estão entre os bairros que mais crescem no Rio, e devem continuar neste ritmo por conta da Copa e das Olimpiadas. Como carioca concordo que existe violência no rio e que grande parte dela vem por conta do tráfico de drogas nas favelas, mas ao mesmo tempo quantas vezes não vemos estrangeiros felizes e contentes por conhecer por dentro uma realidade tão diferente? Hoje em dia favela já é sinonimo de turismo, e existem pacotes para conhecer rocinha, vidigal, entre outras.
O grande problema do Rio é falta de uma política de segurança realmente eficaz, até porque não é evitando o problema que ele é resolvido.
Eu não vejo beleza na pobreza, não. É como o Riq disse em um dos posts dele: bairros pobres em metrópoles são feios em qualquer continente, de Mumbai a Santiago.
Quanto a essa história de visitar favela, eu acho um zoológico humano de péssimo gosto, só falta colocar uma legenda no barraco pra dizer “aqui mora XXXX, que trabalha com YYYY. Se vc olhar no buraco da alvenaria mal cosntruída, pode observar a quantidade enorme de eletrodomésticos adquiridos em ABC^2 prestações, movimentando o varejo local”. O Favela Tour e outros passeios do gênero para mim ficam na linha entre o mal gosto e o puramente ofensivo, ainda mais se frequentados por estrangeiros.
Mais ou menos como uns europeus que, nos meses seguintes ao Katrina em New Orleans, estavam indo de ônibus fazer um “tour da desgraça” na 9th Lower Yard entre casas abandonadas e famílias morando em trailers.
Grotesco, grotesco.
A primeira im pressao parece uma boa ideia, mas quem conhece o Rio sabe q é IMPOSSIVEL ! a rOCINHA TEM 100 MIL HABITANTES ! É beeeeeeeem maior que Sao conrado. A única opção e urbaniza-la e impedir outras nascerem. Infelismente a PM nao tem 1600 novos policiais para porem na Rocinha hoje. E fazer isso de qualquer forma só vai desmoralizar o processo. Quem conhece sabe que a UPP funciona sim. Mas temos que respeitar suas condicoes.
Fiquei nervosa só com o relato da Zuzu. Sou bem neurótica com violência urbana.
Bem que o Rio podia levar essa história com um bom “case” para os próximos anos – foi uma ocorrência na véspera de um evento esportivo – imagino que muitos atletas ficaram com desempenho comprometido com esses acontecimentos.
Lamentável , o ocorrido e a forma como o hotel tratou a questão por telefone.
Na verdade , isso é o que se pode esperar por aqui de um 0800 🙁
Esse título vai ser comercializado em qual jornal hem, hem ???