Os 7 erros da nova marca do turismo do Brasil
Os 7 erros de ‘Brazil. Visit and love us’
Sei que este texto aqui não vai dar em nada. E, francamente, perto de outras coisas que estão acontecendo, este é um assunto menor.
Mas por ter trabalhado tanto tempo em publicidade (fiz umas coisinhas aí que talvez você conheça) e estar há 21 anos metido com turismo, não posso deixar de me manifestar sobre o novo slogan e a nova marca Brasil anunciados pela Embratur.
Conversei com angloparlantes nativos, especialistas em promoção turística e publicitários, e trouxe exemplos para ilustrar a minha opinião.
O texto ficou gigante, então aqui vai um índice clicável para quem se perder pelo caminho.
- 1. O slogan não soa fluido em inglês
- 2. O slogan não significa o que a Embratur acha que signifique
- 3. “Us” não é um pronome que se use para um país
- 4. Não se usa “amar” no imperativo em publicidade
- 5. Tem conotação sexual, sim
- 6. A nova marca é um retrocesso
- O “z” é importante, mas não precisa estar na marca
1. O slogan não soa fluido em inglês
Antes mesmo de examinar seu significado, deve-se dizer que “Brazil. Visit and love us” é uma frase que soa estranha. Não é que esteja errada — só não é escorreita. OK, não precisa googlar ‘escorreito’: é uma frase que está longe de ser redondinha. Não parece ter sido escrita ou aprovada por angloparlantes nativos.
Meus interlocutores em off usaram os adjetivos “clumsy” e “awkward” (desajeitado, esquisito).
A opinião dos meus entrevistados coincide com estas duas, de um americano aleatório que respondeu a uma pergunta que alguém (não eu) publicou no Quora (um “Yahoo respostas” de gente mais preparada) e de um correspondente de uma revista sobre política e economia latino-americana no Twitter:
“O slogan que você apresenta na pergunta não funciona. Não tem impacto nem real significado para um angloparlante nativo.” (Link aqui.)
“Eu evito ser maldoso no Twitter, mas o slogan é bizarro e embaraçoso e qualquer consultor internacional — ou angloparlante nativo — poderia ter dito isso a eles.” (Link aqui.)
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2. O slogan não significa o que a Embratur acha que signifique
No momento do lançamento da nova marca, o slogan “Brazil. Visit and love us” veio traduzido no release como “Brasil. Visite e encante-se”. (Link aqui.)
“Visit and love us” não significa “Visite e encante-se”. Significa “visite e nos ame”, não há o que inventar aqui.
Esse “encante-se” poderia ser algo como, sei lá, “be amazed” (mas este verbo já é usado no slogan da Tailândia). Certamente não é “love us”.
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3. “Us” não é um pronome que se use para um país
Em publicidade, “we”/”us” são habitualmente usados por empresas. É um recurso empregado para humanizar anunciantes/corporações.
Mas não há precedentes de seu uso para um país. Vasculhei todo este atlas de slogans turísticos de países e não achei nenhum “us”.
(Link do mapa aqui.)
Quando um país usa “nós” na sua comunicação, está sim se referindo ao seu povo.
E se o slogan que você criou manda amar o povo do seu país, então esteja preparado para todas as interpretações possíveis.
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4. Não se usa “amar” no imperativo em publicidade
A publicidade não vive sem o imperativo — o verbo usado no modo que comanda uma ação do interlocutor.
O verbo neste modo serve para, digamos assim, sugerir com força: “compre”, “experimente”, “troque”, “descubra”, “aproveite”, “curta”, “ligue já”. Não há a conotação de ‘ordem’, porque são comandos que fazem parte da paisagem da publicidade desde a invenção do anúncio, e já se enfraqueceram ao longo do tempo.
Mas veja: os verbos amar, gostar, adorar (e outros, como aprovar ou ficar satisfeito) não fazem parte desse elenco. Não se usa nenhum deles no imperativo, porque seria uma sugestão forte demais. Pode parecer, sim, uma ordem.
É por isso que você não vai ver nenhum slogan como “Brastemp. Experimente e ame nossas lavadoras”, ou “Boticário. Use e adore”. Quando é para usar esses verbos, a publicidade troca o imperativo por um vaticínio — uma aposta de que o consumidor vai ficar satisfeito. Em vez de “ame”, entra o “você vai amar” (você vai gostar, você vai adorar, você vai aprovar, você não vai se arrepender, você vai se apaixonar).
O McDonald’s, por exemplo, usou o verbo amar de uma maneira bastante original, transferindo para a boca do consumidor: “Amo muito tudo isso” (e não “Peça e ame nossos sanduíches”).
“Ame” também pode ser usado como um pedido, um apelo aos bons sentimentos do receptor. “Ame a natureza, não use canudo de plástico”. “Ame as crianças com câncer, participe do Teleton”. “Ame a nossa cidade, pague o IPTU em dia”.
E em turismo? “Ame a Bahia, passe suas férias aqui” seria uma campanha justificável num contexto em que a Bahia quisesse estimular o turismo intra-estadual e de baianos expatriados. Mas para o público geral, neutro, sem vínculo emocional com o anunciante, é óbvio que “Visite a Bahia, você vai amar” funciona melhor.
Já “Bahia. Visite e nos ame” seria um slogan tão indefensável quanto “Brazil. Visit and love us”.
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5. Tem conotação sexual, sim
Nenhum anunciante responsável vai pôr um centavo numa campanha que não tiver passado por algum tipo de pré-teste. A finalidade dos pré-testes é descobrir se a mensagem será entendida pelo público da maneira que se espera.
Se há algum mal-entendido, a campanha é gongada, porque não se joga dinheiro fora numa comunicação que parte do público, ainda que minoritária, vai entender errado. Nenhum anunciante responsável vai investir numa comunicação impregnada de ruído.
É sintomático que uma das críticas mais duras ao novo slogan tenha vindo da associação brasileira de turismo de luxo, a BLTA (Brazilian Luxury Travel Association) — que, ao contrário da Embratur, usa o inglês no dia a dia dos seus negócios.
Aspas para Simone Scorsato, diretora executiva da BLTA (link aqui):
“[O slogan] é ambíguo e facilmente incompreendido, mesmo para quem fala inglês em qualquer lugar do mundo, não cumprindo, assim, o objetivo de promover, efetivamente, o Turismo de maneira positiva.”
“A BLTA não pode observar silenciosamente os gastos públicos na promoção do Turismo sem uma consideração cuidadosa da linguagem e ignorando tendências e práticas óbvias na indústria global de viagens. Essas falhas estão custando aos brasileiros empregos de qualidade e crescimento econômico sustentável a longo prazo.”
“[A BLTA solicita que a Embratur] retire imediatamente o slogan e comece a explorar alternativas que não deixem em aberto possibilidades passíveis de interpretação errônea”.
É interessante acrescentar aqui outra resposta aleatória à pergunta que publicaram no Quora, de um americano que já veio ao Brasil seis vezes:
“[…] Não fizeram nenhum ‘focus group’ [pré-teste] antes? […] De fato, é um slogan abstrato demais para evocar imagens ou experiências, exceto que sim, turismo sexual logo vem à mente, devido às palavras escolhidas. Mas já que a prostituição é legal lá, será que não é um aspecto [intencional da frase]?” (Link aqui.)
A reação da Embratur às críticas é terraplanista (link aqui):
“Quanto às alegações que o slogan poderia ser considerado um incentivo ao Turismo sexual, a Embratur afirma que não há sentido em fazer essa ligação.
O Instituto frisa que o governo brasileiro não reconhece a expressão ‘Turismo sexual’, e reforça que a exploração sexual não é Turismo, é crime.
Nós queremos que as pessoas venham e amem o Brasil. Amem as nossas praias, cachoeiras, nosso Turismo náutico, de pesca, de mergulho, o Turismo de negócios e eventos, a nossa gastronomia, cultura e esporte.”
Quem deve dizer se a mensagem tem ou não tem esta ou aquela conotação não é o emissor. É o receptor. Está totalmente fora do alcance do emissor controlar o entendimento do receptor. Publicidade não vem com manual de instruções, nem com um personal explicator para explicar a mensagem, receptor por receptor. Se o receptor entende a mensagem de uma maneira diferente da pretendida pelo emissor, o emissor vai precisar investir numa nova comunicação para desfazer o mal-entendido. Release para a imprensa não resolve.
Mas a Embratur ainda consegue tirar um argumento surreal da cartola: não há conotação sexual porque nós, autoridades, não reconhecemos a existência de turismo sexual. Aliás, exploração sexual é crime!
Há dois problemas aí: turismo sexual existe, sim. No Brasil e em todo lugar.
Veja o que diz o empresário Oscar Maroni, dono do estabelecimento Bahamas, em São Paulo: (link aqui)
Além disso, turismo sexual não é crime no Brasil — quando praticado consensualmente entre pessoas maiores de 18 anos, sem intermediários que configurem a “exploração”.
E cá entre nós: se esse “love us” é tão maravilhosamente amplo como a nota apregoa (inclui até “queremos que amem o turismo de negócios”), por que cargas d’água não incluiria o turismo sexual?
O próprio presidente já declarou que “quem quiser vir aqui fazer sexo com uma mulher, fique à vontade” (link aqui“).
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6. A nova marca é um retrocesso
Tem tanta coisa aqui nesta parte que precisei dividir em três subtópicos.
- Considerações sobre a nova marca
- Qualidades e limitações da marca antiga
- Marcas e slogans que deveríamos mirar
Considerações sobre a nova marca
A nova marca Brasil constrange o design brasileiro. Ela está para uma marca de verdade como uma live de Facebook está para um comercial propriamente produzido.
Foi orgulhosamente anunciada como tendo sido feita internamente, em prazo récorde, economizando dinheiro público. Todas essas qualidades estão bem evidenciadas no resultado: é amadora, mal-acabada e pobre.
O nível é tão pouco profissional que, “para economizar”, foi usada uma fonte gratuita. Só que o autor não autoriza o seu uso comercial. (Link aqui.)
A bandeira brasileira foi escolhida para estampar a marca porque segundo a Embratur, é o maior símbolo nacional, e o mais conhecido no exterior. “Nossa natureza, nossos esportistas, a música, a comida, todos estes pontos da cultura nacional levaram nossa bandeira lá fora, com muita maestria”. (Link aqui.)
Reflita: nossa natureza levou nossa bandeira lá fora? A música levou nossa bandeira lá fora? A comida levou nossa bandeira lá fora? Nossos esportistas… tem bandeira do Brasil na camiseta da Seleção? Não me lembro.
Na verdade, só quem leva a bandeira nacional lá fora com maestria são as Havaianas. E por sinal, a bandeira brasileira numa tira de chinelo associa ao Brasil uma miríade de sensações positivas: sol, praia, ar livre, movimento, descontração, alegria. Cada par de Havaianas com bandeirinha vendido no exterior é uma propaganda grátis do Brasil.
Já a bandeira nacional aplicada como mero símbolo cívico na nossa marca de turismo não acrescenta absolutamente nada ao que o lettering já informa: trata-se de uma marca do Brasil. Uma escola de contabilidade chamada Brasil poderia usar a mesmíssima bandeira no seu logotipo, que não ficaria estranho.
Ah, sim: o release ainda explica que o redesenho da bandeira foi inspirado na rosa dos ventos.
Com vocês, Rosa dos ventos x Rosa dos ventos estilizada da Varig x “rosa dos ventos”, entre aspas, da nova marca Brasil.
É preciso explicar ao receptor que a bandeira da marca Brasil é uma rosa dos ventos estilizada. Mas não é preciso explicar ao receptor que a bandeira da marca Farmácia Popular contém um comprimido. (Aliás, que bela marca! Duvido que tenha sido feita internamente pelos servidores do Ministério da Saúde.)
Lembrei de duas outras marcas, dentro do mesmo universo cívico-patriota, que conseguem passar noção de direção e movimento (o que, acredito, deve ter sido o ponto de partida da rosa dos ventos):
Governo do Distrito Federal e Projeto Rondon (o logo original era esse que está dentro do zero dos 50 anos)
Sem falar que a própria Embratur aproveitava uma bandeira brasileira no seu logotipo, de maneira muito melhor — a bandeira se tornava mata, areia e mar. Consegui localizar essa bandeirinha em materiais desde 1978.
Este anúncio da Varig, de 1997, dá vida a essa idéia. Foi criado pela Young & Rubicam (diretor de arte: Rodrigo Butori) a partir de uma foto de Cássio Vasconcellos.
Já este anúncio é mais antigo, de 1986. Criado pelo saudoso Tomás Lorente, na DPZ, para a Fundação S.O.S. Mata Atlântica.
É usado até hoje como marca da fundação. (Infelizmente, é uma imagem cada vez mais atual.)
Qualidades e limitações da marca antiga
A marca Brasil anterior é de 2004. Foi fruto de um riquíssimo trabalho de planejamento, o Plano Aquarela.
O plano fez um excelente diagnóstico da situação do Brasil no turismo internacional e de como explorar o potencial de crescimento do Brasil. Muitos de seus insumos continuam válidos até hoje.
A escolha da marca foi feita por um concurso feito em parceria com a Associação dos Designers Gráficos do Brasil. Ganhou um belo trabalho de Kiko Farkas. Jogue a marca Brasil antiga entre outras marcas de promoção turística, e ela salta aos olhos: é muito bonita.
Apesar de tudo, eu não sou fã do resultado final. Não culpo o designer, mas o briefing. A referência usada para pautar os concorrentes foi um jardim de Burle Marx. Isso encaminhou a marca para um nível de abstração e sofisticação que funciona melhor numa galeria de arte do que em comunicação de massa.
Tenho também um pouco de implicância também com o vermelho e o laranja, que fogem à nossa paleta de cores e parecem estar ali como concessão, ou agrado, ao cliente — estou chutando, não conheço os bastidores da história, não.
(O pior é que eu intuo que a pressa em fazer uma marca nova se deve à paranóia de ter um símbolo pátrio com uma manchinha vermelha. Na nota da Embratur a marca é descrita como uma “ameba vermelha”. Chamar de ameba é do jogo — já era a maldade preferida dos detratores quando a marca foi adotada. Agora: “ameba vermelha”, pelamor.)
Na minha opinião, a marca seria mais efetiva, comunicaria melhor, atingiria um público mais amplo se fosse mais óbvia, se tivesse um significado identificável pelo receptor médio.
(Imagine um lettering Brasil desenhado pelo Romero Britto ou pelo Eduardo Kobra. É isso que eu chamo de apelo universal imediato. 150% de aproveitamento da comunicação.)
O slogan também não ajuda. “Brasil – Sensational!” é um primo pobre de “Incredible India” e “Amazing Thailand”, sem a força de nenhum dos dois. (‘Sensational’ é um adjetivo pouquíssimo usado em inglês, soa português traduzido.)
Veja: o ‘Incredible India’ comunica todo o mistério da Índia num pingo do ‘i’.
Já o ‘Amazing Thailand’ entrega um sorriso. (Um dos apelidos do país é “a terra dos mil sorrisos”.)
Mesmo com todas essas observações, tenho convicção de que a marca anterior tem grandes vantagens com relação à que está sendo proposta agora. É a um só tempo elegante e lúdica. Não leva a interpretações dúbias. A associação de turismo de luxo nunca emitiu uma nota dizendo que seus clientes estrangeiros vão entender que no Brasil podem contrair amebas vermelhas.
Na falta de uma solução óbvia e popular, é mil vezes preferível uma marca sofisticada a uma marca tosca.
Marcas e slogans que deveríamos mirar
Mas se eu não amo a marca Brasil anterior, por que estou gastando o meu e o seu tempo reclamando da marca nova? Porque se é para mudar, que se mude para uma marca que realmente faça a diferença.
O benchmark, o caso de sucesso que deve servir de parâmetro, o exemplo que deve ser batido é esse aqui:
A marca Peru.
Inspirada nas linhas de Nasca, a marca Peru é intransferível, impactante, sintética, vibrante. Tem punch. Tem significado. Não requer personal explicator. Foi lançada em 2011, não apenas para promoção turística, mas também para identificar produtos made in Peru. (A marca Brasil anterior também tinha essa intenção, mas nunca se materializou.)
A marca Peru deu tão certo que virou souvenir. Os turistas compram bugigangas com a marca Peru como quem compra miniaturas da Torre Eiffel em Paris. A marca realmente virou um símbolo do Peru. E certamente teve sua influência no espetacular aumento do turismo estrangeiro no país — de 2,5 milhões em 2011 para 4,4 milhões em 2018, um crescimento de quase 80%. (O Brasil foi de 5,4 milhões em 2011 para 6,6 milhões em 2018, um aumento de menos de 25%.)
Qualquer nova marca que seja cogitada hoje deve ser examinada à luz da marca Peru. É tão boa quanto a marca Peru? Não é? Pois então não serve. Próxima!
A marca Peru é tão boa que vingou sem a ajuda de um slogan. Mas não se deve ignorar o potencial de um bom tema de campanha.
Alguns slogans excepcionais, que deveriam servir de parâmetro para medir a força e a qualidade de qualquer frase que seja proposta pelo Brasil:
‘Costa Rica, sem ingredientes artificiais’. Na mosca. Posicionou a Costa Rica como um paraíso rústico e selvagem. Tornou-se o destino de natureza preferido pelos americanos na América Latina.
‘Colômbia, o único risco é você querer ficar’. Corajoso e brilhante. Ajudou a reinserir a Colômbia no mapa do turismo, depois do fim da guerrilha. (Hoje a campanha tem o tema ‘Realismo Mágico’, que é interessante mas um pouco mais intelectual.)
‘100% pura Nova Zelândia’. Uma campanha longeva, de enorme sucesso. As fotos já são naturalmente deslumbrantes, e a frase turbina o efeito no receptor.
‘Inspirado pela Islândia’. Um dos maiores casos de crescimento de turismo dos últimos anos também está alicerçado num conceito simples e poderoso.
‘México, viva para acreditar’. Não é nenhum ‘sem ingredientes artificiais’, mas é uma mostra de como um país não-angloparlante pode criar e aprovar um slogan que soe gostoso em inglês. “Live it to believe it” tem graça e ritmo (duas coisas que faltam ao “Visit and love us”).
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O “z” é importante, mas não precisa estar na marca
O Plano Aquarela recomendou que se usasse Brasil com ‘s’ na marca internacional. Não tenho nada contra. Vários países usam as grafias originais de seus nomes nas suas marcas de promoção turística.
O problema é que a Embratur levou esse raciocínio também aos textos. E começamos a escrever no nosso material promocional coisas como “Come to Brasil” e “Brasilian people”. Isso não existe.
Em inglês, Brasil se escreve Brazil. Assim como em português, Uruguay se escreve Uruguai, Ecuador se escreve Equador, Perú se escreve Peru e Colombia tem chapeuzinho: Colômbia. Um americano que escreva ‘Brazil’ em vez de ‘Brasil’ está sendo tão imperalista quanto você quando escreve ‘paraguaios’ em vez de ‘paraguayos’.
Mas o problema não parou aí. Por causa dessa patriotada, deixamos escapar domínios importantíssimos de brazil com z. O turismo brasileiro não é dono de visitbrazil.com, nem de brazil.info, nem mesmo de brazil.travel (os domínios .travel foram lançados já com a internet madura e o brazil.travel poderia ter sido comprado pela Embratur antes de cair na mão de um aventureiro).
Ficamos só com o visitbrasil.com, esse híbrido nada intuitivo, que requer a ajuda do Google para chegar até ele.
Felizmente, o problema do Brasil com s nos textos em inglês já não existe desde a Embratur do governo Temer. Os “Brasil” e “Brasilian” já foram modificados para “Brazil” e “Brazilian”, para gáudio dos motores de busca, que já podem somar a quantidade de “Brazil” nos textos para oferecer a quem joga “Brazil” no Google.
Com esse ruído já resolvido, voltemos então à questão do Brazil com s ou z incorporado à marca.
Se tivermos uma “marca Brazil”, com o Brazil com z incorporado ao logotipo, vamos precisar ter também uma marca Brasil, uma marca Brésil, uma marca Brasile, uma marca Brasilien, uma marca Brazilië, uma marca Burajiro e por aí afora. Não é muito prático.
Dá para resolver muito bem com Brasil com s na marca e Brazil com z nos enunciados e textos — como já demonstrava a Espanha, um dos decanos da promoção turística no mundo:
É isso. Obrigado por ter chegado até aqui — pelo menos não perdi meu tempo sozinho.
220 comentários
SEN-SA-CIO-NAL!!!! Parabéns!!!!
Ótimo artigo! Parabéns!! Crítica e instrutiva!
Gostei muito do seu texto, uma análise brilhante e muito interessante!
Será que essa nova marca vai ser mesmo usada? É um verdadeiro retrocesso…
Ricardo Freire sendo Ricardo Freire. Argumentos claros e precisos. Sempre. Obrigada pelo tempo gasto nessa explicação detalhada.
Muito esclarecedor e instrutivo o texto. Uma verdadeira aula.
Que aula, Ricardo.
Excelente e esclarecedora analise. Essa marca representa bem a mentalidade dessa nova gestão : tosquice ao extremo.
Riq,
Obrigada pela aula! 😉
Pena que a coisa chegou nesse nível…
Escrevi sobre essa questão da nova marca na minha página e realmente é um retrocesso sem igual. Excelente explanação.
Marca Brasil: quando tem continuidade, gera identidade
Segundo a FutureBrand, uma das maiores empresas de consultoria e pesquisa do mundo sediada em Londres, o conceito “marca” se refere “à soma de reputação, percepções e associações sustentadas por múltiplas partes interessadas sobre cada país”.
Desde 2011 que a marca do turismo do Peru é vista nos principais eventos, feiras, souvenir e atrativos do país, produtos manufaturados levando consigo não somente uma mera criação artística, mas um emaranhado de simbologias peruanas em que ao observá-la, a vontade de conhecer o país, seus costumes, consumir seus produtos e sua gastronomia, torna-se uma constante.
A Marca Peru, sobremaneira, é facilmente gravada na memória de quem a observa. Traz consigo uma afetividade e afinidade com o que já se divulga do destino Peru, a exemplo dos seus atrativos naturais e históricos. O P de Peru simboliza a linha de Nazca, denotando a história dos Incas e a modernidade do futuro. E assim a marca peruana subiu de 11 posições no ranking global em 2018, colocando o país na posição 41 do ranking global em relação as marcas de destinos do turismo dos países. Mas a marca não revelou somente o Turismo, transformou-se em identidade peruana, em contínua política pública de estado e resguarda todos os ritos, mitos, histórias e costumes sem expressar nem uma palavrinha seque, a não ser o nome do país.
Em que se refere ao Brasil, com “S”, em 2005 a Marca Brasil que estava em vigor até esta terça-feira, 16, foi apresentada ao mercado internacional de turismo pela primeira vez na ITB Berlim 2005, uma das maiores feiras de turismo do mundo. A Marca Brasil, desenvolvida pelo Ministério do Turismo por meio da Embratur, era até então uma espécie de selo de qualidade de produtos e destinos turísticos brasileiros no exterior. Mantinha um significado implícito de diversidade, curvas, alegria.
Para se ter uma ideia, a denominada Marca Brasil representava a imagem do Turismo do Brasil e de seus principais atributos de exportação. Além disso, a marca traduzia a imagem que o turista estrangeiro tem do País: multicolorida, refletindo aspectos como alegria, sinuosidade, luminosidade e modernidade.
Desde que foi tornada pública pela primeira vez em 2005, a Marca Brasil manteve-se no 1º lugar no ranking da Latin America Country Brand Report, entidade respeitada que também mensura a percepção da população de outras regiões do mundo em relação a 21 nações latino-americanas e analisa a força das marcas desses países. A Marca Brasil foi considerada a mais valiosa na região, até 2017, ano em que sofreu uma leve queda.
Os pontos fortes do Brasil levantados pelos entrevistados foram: Patrimônio e Cultura (80%), Turismo (76%), ‘Made in’ (65%) e Atitude para Negócios (63%). O item Patrimônio e Cultura trouxe como principais atributos a beleza natural e monumentos históricos no país.
O que isso quer dizer? Mesmo que o país não esteja, nem estivesse a época da pesquisa tão bem em dados no turismo mundial em relação aos primeiros países do ranking deste setor, o mercado de turistas estrangeiros em potencial considerava o Brasil como um destino a ser desbravado e, perceptivelmente, a sua marca até então utilizada tinha criado empatia, afinidade e identidade com tudo o que se divulgava do Brasil: vibração, alegria, curvas da arquitetura, cores representativas da natureza e da gastronomia, diversidade e pluralidade do povo brasileiro.
Por conseguinte, nesta terça-feira, 16, o Governo Federal publicou uma nova Marca Brasil inspirada na Bandeira Nacional e, por incrível que pareça, grafada Brasil com a letra “Z”. Segundo a Embratur, para “ fortalecer o marketing digital da marca Brazil, facilitando as buscas na internet realizadas pelos estrangeiros”. Ela também veio acompanhada do slogan Visit and love us (Visite e encante-se ou Visite e nos ame).
Bastante questionada nas redes sociais por especialistas e pelo trade nacional, a nova marca traz o “love us”, “nos ame”, com conotação dúbia em um momento através do qual o Brasil tenta se furtar da exploração sexual, do turismo sexual e afins, divulgados em tempos sombrios e que fez crescer vertiginosamente esse tipo de turismo no país.
Hum, má vontade de enxergar uma boa nova Marca Brasil, não é. Quando se há dubiedade na informação, consta nas enciclopédias da comunicação e do marketing e na sensatez que não se deve deixar essas dúvidas, mas elucidá-las de imediato, trocando por uma simbologia mais clara, a não ser que seja proposital por algum motivo que não creio ser.
Querelas à parte, o dito popular diz que “o que está dando certo não deve ser mexido”. E a Marca Brasil de outrora cabe muito bem nesse ditado.
A descontinuidade da Marca Brasil é só um reflexo. Em abril o Governo Federal aprovou a retirada do Plano Nacional de Turismo 2018/ 2022 da divulgação do turismo LGBT, mesmo sabendo que esse público gera 10% dos viajantes do mundo e movimenta 15economia deste setor.
Enquanto que o Ministério do Turismo, por meio da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), muda algo que já estava sendo consolidado e as pesquisas apontavam boa aprovação da Marca Brasil desde que foi criada, o Brasil amarga o patamar de 6,62 milhões de turistas estrangeiros em 2018. Para observar um desenho comparativo, somente o Museu do Louvre recebeu cerca de 7,6 milhões de estrangeiros em 2018 e a vizinha Argentina 7,5 milhões.
Na contramão da continuidade, os cortes de verbas para investimentos de divulgação internacionais têm gerado a estagnação do fluxo, enquanto que a Argentina, o Peru e a Colômbia aumentam ano a ano os investimentos. Ao menos, a Marca Brasil seria algo que continuaria sua trajetória de sucesso. Afinal, quando se tem continuidade na comunicação, o ruído é menor e o sucesso da mensagem é sempre mais breve a ser alcançado. Gera afinidade e identidade.
Mais claro, impossível. A marca é tosca, a exposição é tosca, a postura do ministério inteiro é tosca. E qualquer crítica é tida como partidária, quando na verdade existem muitos motivos técnicos, que você brilhantemente elencou, pra dizer que a marca é um desastre.