Marajó: praias, búfalos, aves e ruínas, nas dicas da Miriam
O detalhismo da Miriam K. quando descreve suas viagens pros leitores do VnV é digno de aplausos. Acha que a gente está exagerando? Então dê uma olhadinha nos textos que ela já dividiu com a gente do Japão, da Serra da Capivara de avião, do Transamérica Comandatuba, da Patagônia, de São Bento do Sapucaí, de Aparados da Serra e da Colômbia. São muitas informações e dicas redondinhas, prontas pra aproveitar.
Em setembro de 2016, a Miriam fez uma viagem pela Amazônia que começou em Belém, seguindo depois para a Ilha do Marajó, voltando à capital do Pará, passando por Alter do Chão (em Santarém) e indo depois para Anavilhanas e Manaus. O passeio foi tão legal que ela decidiu repetir parte do trajeto em novembro, mas isso é assunto para os próximos posts. 😉
Neste texto, a Miriam conta como foi a passagem dela pela Ilha do Marajó. Viaje com ela!
Texto e fotos | Miriam K
A partir de Belém, fizemos uma parada de dois dias na Ilha de Marajó como parte da nossa viagem pela Amazônia. Para facilitar, levamos só a mala de mão e deixamos o restante no hotel da capital do Pará.
Tivemos a sorte de conseguir fazer a travessia pelo catamarã da Tapajós Expresso, que ia do centro de Belém (Galpão 9 das Docas) diretamente a Soure em duas horas e operou até o fim de 2016. Infelizmente o serviço foi descontinuado em janeiro de 2017.
Hoje a única cia. que faz a rota ao Marajó saindo do (renovado) Terminal Hidroviário de Belém é a Banav, que vai somente até o porto de Camará. Lá é preciso pegar uma van a Salvaterra (meia hora) e depois fazer a travessia de Salvaterra a Soure num barquinho chamado rabeta (10 minutos).
A Banav alterna dois tipos de embarcação: um ‘navio’ (embarcação grande e lenta, que leva 3 horas até Camará) e um catamarã parecido com o da Tapajós Expresso em que viajei (e cujas fotos estão acima), que faz a viagem em 1h15. Consulte os horários aqui (a saída pode ser pela manhã ou à tarde, de acordo com a maré) e programe a ida e a volta para dias em que o catamarã operar. A passagem pode ser comprada online.
(É possível também viajar com a Henvil, que opera navios e também balsas que carregam carros, saindo do porto de Icoaraci, a 20 km do centro. Mas só é recomendável para quem vai atravessar com carro ou para quem precisa viajar de manhã num dia em que a Banav só tenha embarcação à tarde.)
O Terminal localiza-se no num galpão que faz parte do mesmo conjunto que, mais adiante, abriga a Estação das Docas. É super-organizado, limpo e não houve nenhum problema no meu embarque. Na entrada do catamarã deixamos as bagagens com a tripulação, que depois cobriu tudo com uma lona. Não foi dado nenhum tipo de tíquete de bagagem, mas no fim deu tudo certo.
A travessia da parte fluvial é tranquila na sua maior parte, mas na popa balança bem menos. O barco vai margeando a costa na baía do Guajará até a ilha do Mosqueiro e quando ele realmente faz a travessia da baía de Marajó pegamos umas ondas bem grandes, mas na minha viagem isso durou somente uns poucos minutos.
Eu desembarquei direto em Soure, mas quando você for, vai ter que pegar a van de Camará a Salvaterra e então fazer a travessia a Soure de rabeta.
No porto das barcas de Soure pegamos o táxi para a pousada. No Marajó, para qualquer lugar que formos o táxi custa no mínimo 20 reais e ninguém se arrisca a andar nem que sejam pequenas distâncias, porque o sol é escaldante e o calor que reflete do chão é de derreter.
A cidade de Soure é a capital do Marajó, mas a parte urbana está bem abandonada, com ruas esburacadas e poeirentas. Andando pela cidade vemos até casas de madeiras prestes a ruir. Nas ruas também vemos búfalos pastando ou descansando calmamente nas sombras das árvores como se fossem cachorros.
Ficamos na Pousada o Canto do Francês, que foi uma decepção do começo ao fim. No site, ela parece simples, mas boa. Quando chegamos lá, a pessoa na recepção estava resolvendo algum problema e nos deixou esperando por mais de meia hora sem demonstrar nenhum interesse. Depois de nos entregar a chave, queríamos algumas dicas do que fazer, mas ela estava ocupada demais e não saía do telefone. No fim veio alguém da cozinha para mostrar alguns folders de passeios. O quarto em que ficamos era muito pequeno, a cama tinha lençóis velhos, curtos e com bolinhas, toalhas igualmente desgastadas e tivemos que pedir para trocar os travesseiros que cheiravam azedo. A parte elétrica era uma gambiarra de primeira, com fios pendurados entre a geladeira, o roteador e a TV. O café da manhã era simples, tinha suco, frutas, pães pouco apetitosos, tapioca com manteiga e bebidas quentes, mas senti falta de algum bolo.
Resolvemos sublimar tudo isso e pegamos um táxi até o píer para passar o resto do dia em Salvaterra, do outro lado do rio. O taxista do lado de cá falou que ia avisar um amigo do lado de lá para nos pegar. Para atravessar o rio temos que usar o píer da cooperativa que faz a travessia do rio Paracauari por R$ 2. Os barcos são chamados de rabetas e saem sempre que há passageiros e carregam de tudo: gente indo trabalhar do outro lado, motos, pneus, combustível e turistas. O rio funciona como uma rua e existe até barco escolar.
Alter do Chão
A travessia dura alguns minutos e, chegando a Salvaterra, havia uns 20 mototaxistas esperando uma corrida, mas nenhum táxi. Depois de uns 10 minutos chegou o Ismael (WhatsApp 91/982-270-618) que, além de taxista, é pastor de uma igreja local, líder da comunidade, e no fim das contas era o amigo do taxista de Soure — mas não tinha recebido a mensagem porque estava passando por uma área sem sinal de celular.
Combinamos então que ele nos levaria por 120 reais para a vila histórica de Joanes, que fica distante uns 30 minutos ao sul, cerca de 18 km. Por lá, visitamos o centro de Artesanato de Joanes para ver a produção local com os materiais disponíveis na região. Foi interessante ver o que eles fazem com a ‘fruta’ cuia, que vira vários itens de artesanato e até a cuia de tomar o tacacá. Vimos também um pouco da cerâmica marajoara.
A seguir, ele nos levou até as ruínas da vila histórica, que fica no alto de um morro, com vista para a praia. Em 1716 os jesuítas construíram a Igreja Nossa Senhora do Rosário, mas o que temos atualmente são somente pedras das fundações e uma única parede de pedra, que foi recentemente escorada, bem ao lado da nova igreja de paredes brancas e contornos azuis. Essa visita só vale a pena se você tiver interesse histórico e algum tempo sobrando.
A próxima parada foi na Praia de Joanes, que é plana, tem águas mornas, com ondas suaves e sem arraias. Ficamos abrigados sob as árvores da Peixaria do Sr. Sales (tel. 91/3646-2172) que, além de ter um ótimo papo, serve uma comida maravilhosa. Comemos um filé de búfalo à cavalo e um filé de peixe filhote com tucupi e jambu que estavam maravilhosos.
Depois de um banho de rio e um descanso sob as sombras, o Ismael nos levou de volta para o píer, de onde por mais R$ 2 chegamos a Soure. Apesar do calor, tentamos andar até a pousada, que parecia bem perto, mas quando começou uma tromba d’água acabamos chamando um táxi — e, novamente lá se foram 20 reais para rodar três minutos. Para completar o cenário da pousada, por ser época de eleição, no final da tarde e início da noite tocaram os jingles dos candidatos da cidade por mais de duas horas em algum comitê próximo, e depois foram os vizinhos barulhentos que tocaram música até tarde.
Na manhã seguinte fizemos um passeio pelo rio Paracauari. Após uma curta caminhada até a beira do rio, fomos num barquinho até o Curtume Art Couro Marajó para conhecermos o trabalho de chinelos e bolsas feitas de couro cru de búfalo. Nas paredes havia as cabeças dos quatro tipos de búfalos existentes que são diferenciados pelo tipo de chifres que possuem, mas disseram que no Marajó, o tipo mais frequente é o Murrah com seus chifres enrolados.
Curtume Art Couro Marajó
- Primeira Rua, 450 | Tel. 95/981-566-818 | Abre de 2ª a sábado das 8h às 12h e das 15h às 19h; domingo das 8h às 12h
Dependendo da disponibilidade de tempo, pode-se pular esta visita ao curtume, pois ele fica para o lado oposto ao do passeio ao mangue que vem a seguir. Navegar ao longo do rio nos dá a oportunidade de ver uma pouco como vivem as pessoas: vimos mulheres lavando louça nas janelas, roupas penduradas no varal e barcos estacionados como meio de transporte.
Navegamos por alguns minutos ao longo do Rio Paracauari até entrar num braço de rio por pouco mais de 500 metros até chegar aos manguezais, com suas árvores que têm raízes aéreas e cipós. Quando o motor do barco foi desligado pudemos apreciar melhor a natureza que nos cercava. Não vimos animais, pois em geral eles têm hábitos noturnos, mas pudemos ver e ouvir muitos pássaros.
O final do passeio é um banho de rio numa praia que na realidade é um banco de areia que aparece na época da vazante, e de novo as águas são calmas e mornas. Este passeio é bem contemplativo e, dentro do mangue, por ser sombreado, não tem aquele sol escaldante — mas de qualquer forma, óculos, protetor solar e chapéu são fundamentais. Custou R$ 80 por pessoa.
Almoçamos no Delicias da Nalva (Quarta Rua, 1051 – entre travessa 20 e 21; tel. 91/983-040-003), que fica na avenida principal da cidade. O restaurante ficou fechado por cerca de seis meses depois que a dona Nalva faleceu, mas desde o final de 2015 suas duas filhas estão tocando o negócio. O ambiente é simples, com ventiladores e wi-fi. O frito do vaqueiro e o bolo de macaxeira com doce de banana que experimentamos estavam maravilhosos.
Depois de uma siesta fundamental, fomos fazer um passeio de final de tarde pela Fazenda Bom Jesus (PA-154 – acesso pela Quarta Rua; tel. 95/3741-1243; R$ 100 por pessoa). O motorista veio nos pegar na pousada e após uns 10 km, chegamos a uma das sedes da fazenda. Logo na entrada conhecemos um búfalo que é praticamente um animal de estimação que permite montaria e fotos.
De lá, o guia Cesar nos levou para uma caminhada tranquila de cerca de duas horas por uma área plana. Passamos por búfalos, cabras, capivaras, jacarés, todos em seu habitat natural e convivendo pacificamente. Na época da cheia, nos disseram que parte do percurso pode ser feito de voadeira, mas no nosso caso, como só havia as lagoas perenes, tivemos que caminhar, mas não há necessidade de nenhum calçado especial. Por ser final de tarde, já não estava tão quente e foi nesse horário que pudemos observar a revoada dos guarás e de muitos outros pássaros. Se puder levar um binóculo, garanto que vai ter muita coisa para observar, já que os animais são bastante ariscos e não permitem aproximação demasiada. Vale também a pena passar repelente, pois no final da tarde os insetos são mais ativos. Ao final da caminhada chegamos à outra sede onde é servido um lanchinho e refrescos e de lá o motorista nos leva de volta à pousada.
No último dia, fizemos o check out logo cedo, deixamos nossas bagagens na recepção e passamos a manhã na Praia do Pesqueiro. Havia a opção da Praia de Barra Grande que é mais perto do centro, mas como disseram que lá as arraias são mais frequentes, não quisemos nos arriscar. Ficamos abrigados no Restaurante Recanto dos Guarás (tel. 91/981-998-054), que possui mesas e malocas na areia. Mas como as águas estavam muito baixas, acho que tivemos que caminhar uns 200 metros para chegar ao rio, pois as águas que estavam em frente às mesas eram de uma lagoa remanescente devido ao banco de areia que se ergueu por causa da vazante. A estrutura de banheiro é um pouco precária, pois aparentemente não há água encanada. Saindo das águas do rio é necessário passar repelente pois numa questão de segundos ganhei uma dúzia de picadas do maruim, que é um inseto minúsculo do tamanho de uma pulga, que segundo nos disseram, aparece quando a maré sobe. Almoçamos o peixe frito do dia e depois ficamos numa maloca que é como são chamadas as palafitas cobertas de palha com duas redes dentro, que no sol escaldante do Marajó, são os únicos locais que se pode ficar com o sol a pino. O passeio foi acertado direto com o taxista que cobrou R$ 120 e depois nos levou até o píer por mais R$ 20.
Resumindo, nossa estada na Ilha do Marajó foi bastante proveitosa e pudemos ver um pouco de Soure e de Salvaterra como praias, ruínas, mangues e fazenda. Duas noites são suficientes.
A viagem da Miriam continua em mais dois posts. 🙂
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12 comentários
Já estive diversas vezes em Soure e parece que é sempre a primeira vez, tamanho é seu encanto e beleza. Estive no festival búfalo Fest. Não tô lembrado o ano, mas foi a melhor de todas as vezes, pois ficamos 5 maravilhosos dias. Rodamos pra Salvaterra, joanes, jubim e chegamos a ir em Santa Cruz do Arari, de onde chega a caminhada de búfalos e cavalos. O dia em que o progresso chegar naquela região, acredito que perde sua beleza. Por isso torço pra isso não acontecer. Ficamos 1 dia na pousada do Francês mas não gostamos muito. O tratamento não é bom e os quartos são meio insalubre. Pagamos um pouco mais caro e fomos pra pousada hotel Ilha do Marajó. Lá sim valeu a pena, a cozinha e as comidas são tudo de primeira e os quartos são ótimos, sem contar a piscina que vale a pena também. Tirei muitas fotos com meus filhos, fizemos caminhada, trilhas e passeios ótimos. Fomo numa praia deserta chamada praia do Araruna. Linda também…A cereja do bolo ficou por conta do Festival búfalo Fest, onde toda noite tinha muita música, luta marajoara e várias atrações locais. Realmente valeu muito a pena. Foi outras vezes, mas essa aí foi realmente marcante.