Machu Picchu

Lares Adventure, dia 5: meu solstício particular em Machu Picchu

Machu PIcchu

Nos quatro primeiros dias do circuito Lares Adventure, ziguezagueamos entre o Vale Sagrado e o Vale de Lares, sempre na contramão dos colegas. Tivemos o mercado de Pisaq e os parques arqueológicos de Pisaq e Ollantaytambo praticamente só para nós. Escapulimos para lugares raramente ou nunca visitados, como Ankasmarka e Choquecancha. Alguns de nós fizeram caminhadas na montanha ou andaram de bicicleta pelo vale. Até na subida a Aguas Calientes a gente se sentiu diferente, a bordo do vagão 1ª classe da Inca Rail.

Na etapa final, porém, iríamos ao lugar aonde todo mundo quer ir — Machu Picchu, finalmente — no horário em que todo mundo quer chegar: de manhã cedo.

Depois do tour pela cidadela, os que ainda tivessem fôlego poderiam subir até o topo da montanha Machu Picchu para ter a mesma visão dos que chegam pela Trilha Inca.

Diário de Lares
Dia 5

“Trago boas notícias”, disse Antonio, o guia de caminhadas, ao nos encontrar no saguão do hotel, às 6 da manhã. “Passei na parada do ônibus e não tem muita fila”.

Aguas Calientes

O transporte entre Aguas Calientes (1.900 m de altitude) e Machu Picchu (2.400 m de altitude) é feito exclusivamente em pequenos ônibus (uma descrição mais precisa seria ‘micro-ônibus grandes’) oficiais. Para subir no ônibus é preciso ter um ingresso para o parque arqueológico previamente comprado. A frota é grande e os onibuzinhos saem um atrás do outro — mas ainda assim, se toda a cidadezinha de Aguas Calientes resolvesse acordar na mesma hora para chegar a Muachu Picchu ao amanhecer, poderíamos demorar vários ônibus na fila.

Aguas Calientes

Nos atrasamos um pouquinho para sair do hotel (alguns retardatários no café da manhã) e só chegamos à parada do ônibus pouco depois das 6h30. Confirmando a informação do Antonio, porém, embarcamos já no segundo ônibus. A viagem leva meia hora; no meio do caminho já deu para entrever que chegaríamos com sol do outro lado da montanha 🙂

A rodoviariazinha de Machu Picchu está integrada ao Sanctuary Lodge, o hotel de luxo que fica imediatamente fora dos muros de Machu Picchu. Não há banheiro nem lanchonete dentro do parque. Por isso, um pit-stop no banheiro da rodoviariazinha é essencial (dá também para deixar a mochila no guarda-volumes). Caso precise voltar ao banheiro ou queira comer na lanchonete ou no buffet do lodge, você pode sair e entrar de novo três vezes do parque com o mesmo ingresso (a cada reentrada ele será carimbado).

Era perto das 7 e meia quando passei pela roleta. Daí foi só caminhar um nadinha e… TÁ LÁ:

Machu Picchu

Na hora certa. Sob a luz perfeita. O solstício tão esperado aconteceria dali a seis dias — mas aquele era o meu solstício particular. O momento auspicioso em que o meu olhar, feito o sol, encontrou algum ponto milimetricamente calculado pelos astrônomos incas? Não, que eu não tenho essa sensibilidade do pessoal de exatas.

O meu solstício particular aconteceu quando fui galgando os mirantes mais altos e me senti virando a página de um livro pop-up para crianças, as figuras todas saltando na minha cara: aquela cidadela de brinquedo ao pé do seu próprio Pão de Açúcar, isolada das montanhas ao fundo por um fosso natural que não seria mais impressionante se tivesse sido construído. A primeira vez em Machu Picchu a gente nunca sutiã.

Machu Picchu

Machu PIcchu

Machu Picchu

Machu Picchu

Meu transe foi prematuramente interrompido lá no alto pela repentina aproximação de nuvens negras a nordeste, trazendo com elas o receio de não conseguir registrar devidamente o meu solstício particular. E então teve início uma seqüência de pelo menos 50 fotos praticamente idênticas, tiradas de diversos ângulos, mas que — só vim a perceber depois — acabavam reenquadradas para se tornarem réplicas de qualidade inferior dos cartões-postais profissionais. Tudo bem. I got you, Machu Picchu.

Machu Picchu

Machu Picchu

Machu Picchu

Machu Picchu

Durante as três horas seguintes, primeiro ali no mirante e depois percorrendo com calma a cidadela, os guias explicariam novamente a relação entre arquitetura e astronomia entre os incas, especulariam sobre as técnicas de construção e transporte das pedras montanha acima e apresentariam as teorias sobre a ocupação do lugar (refúgio da família real? ‘universidade’ inca?) e sua posterior desocupação (epidemia? despiste dos espanhóis?).

Machu Picchu

Machu Picchu

Machu Picchu

Machu Picchu

Ironicamente, o fim de Machu Picchu foi crucial para sua preservação. Se os espanhóis tivessem chegado até aqui, haveria igrejas e cruzes onde hoje há mistério e fascínio. Que karma, esse da Espanha: ter destruído uma civilização antes de sequer tentar entender sua cultura.

Machu Picchu

Machu Picchu

Às 10h30 o parque já estava cheio, o sol estava forte e eu estava suado e exausto. O time das caminhadas ainda subiria até o alto da montanha Machu Picchu, para trás do mirante onde tínhamos ido, para ter a mesma visão dos andarilhos que chegam pela Trilha Inca. (Parece lindo, mesmo. Machu Picchu fica pequenininha e as montanhas ao redor, ainda mais poderosas.) Com o sol mais frio — de manhãzinha ou de tardezinha — talvez eu faria. Mas naquele momento eu só pensava em comprar uma Cusqueña na lanchonete do Sanctuary.

(Mas a trilha de Huayna Picchu — o Pãozinho de Açúcar que serve de moldura à cidadela — eu não faria não. Esse background é parte inseparável do cenário. Gastar um fôlego que não tenho para ver Machu Picchu de um ângulo que não dá para reconhecer? Brigado.)

Machu Picchu

Na saída, aproveitei para fazer um pit-stop no posto que carimba passaportes (e que só abre às 9h).

Ainda tinha um tempinho sobrando antes da hora marcada de pegar o ônibus (meio-dia; nosso trem sairia às 14h30 de Aguas Calientes), e poderia ter voltado ao mirante. Mas resolvi não ir. A luz já não estava tão perfeita quanto de manhã cedo, o parque já estava inundado de gente, o sol não estava nada zen (a tal da nuvem negra tinha passado direto). Resolvi preservar na memória o momento do meu solstício.

Machu Picchu

Quando voltar, vou chegar ainda mais cedo (o parque abre às 6h). Vou aproveitar os mirantes à esquerda de quem chega enquanto o parque estiver ainda vazio. Vou prolongar ao máximo o meu solstício. As provas de que os incas eram avançados em astronomia, engenharia, agricultura e logística estão por toda parte na região de Cusco. Mas a beleza hipnótica de Machu Picchu eleva a civilização inca a outro patamar. Existe uma motivação estética para a cidadela ter sido construída ali. E é isso que eu quero, de novo, absorver. Como foi construído, para que foi feito e como funcionava são detalhes que não me importarão naquele momento. Vou querer contemplar até cansar. E só então vou percorrer de novo a cidadela (e nesse momento, estar com guia é fundamental. Se você não tiver o seu, é só sair e contratar um dos que estão à porta).

Obrigado por me receber, Machu Picchu. Eu volto!

Diário de Lares
Balanço final

Se você ler os cinco capítulos desse diário, vai notar uma admirável ausência de qualquer informação prática sobre preços, horários, deslocamentos, ingressos. É de propósito. Devo voltar ao Peru em setembro, e então vou atrás de todos os detalhes. (Se você precisar de alguma informação urgente, recomendo os excelentes Sundaycooks e o Dividindo a Bagagem e Cup of Things.)

Um dos motivos de eu ter aceitado o convite da Mountain Lodges of Peru para experimentar o circuito Lares Adventure foi justamente esse: ver como era fazer uma viagem totalmente perrengue-free pelo Vale Sagrado até Machu Picchu, com direito a visitar lugares aonde não chegaria por conta própria.

O esquema se revelou na prática tão inteligente quanto parecia no papel. Nesses cinco dias me senti não numa excursão, mas como se estivesse num desses hotéis bacanas do Atacama que incluem as atividades na diária; a diferença é que este hotel era itinerante. A possibilidade de escolher todos os dias entre caminhadas e programas mais sedentários ajuda a tornar os grupos ainda mais enxutos e preserva uma saudável sensação de individualidade.

Adorei o timing das visitas às atrações mais procuradas e o pernoite em Ollantaytambo — vou copiar isso quando for por conta própria. Os hotéis não chegam a ser luxuosos — afinal, são lodges — mas são confortáveis na medida.

Choquecancha

Enfim, se você tem 400 dólares por dia para investir numa viagem redondinha (com hospedagem, alimentação, passeios, deslocamentos e ingressos incluídos), vale a pena. Se puder, faça o roteiro de 7 dias, que dobra a permanência em cada um dos lodges mais remotos e permite fazer as caminhadas mais bonitas sem abrir mão dos passeios culturais.

Ricardo Freire viajou a convite da Mountain Lodges of Peru.

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33 comentários

Que bom que você finalmente conheceu MP e que a cidadela correspondeu a suas expectativas, Ricardo! Estava faltando essa viagem no seu vastíssimo currículo!
Uma singela recomendação de quem já se beneficiou de tantas recomendações suas: na próxima vez, vá dois dias a Machu Picchu! O lugar é lindo demais para se passar apenas algumas horas! Eu fui em maio e saí de Cusco cedo. Cheguei em Águas Calientes na hora do almoço e tive a tarde toda em MP. Aproveitei para fazer um tour com um dos guias que fica na portaria.
No outro dia, andei por lá livremente, já conhecendo a história do lugar e dos principais pontos. Fiz a Trilha do Sol (a vista de quem chega da Trilha Inca) e achei bem tranquilo. Subi o Huayna Picchu e achei que a experiência valeu muito a pena. Primeiro, o desafio físico de subir uma montanha daquele tamanho mesmo naquela altitude e a sensação de dever cumprido ao chegar lá em cima. E segundo que a vista é espetacular! Estar no meio de uma cadeia circular de montanhas, cobertas de floresta tropical e ver Machu Picchu lá embaixo, como os pássaros devem ver. É de perder o fôlego! Literalmente 😉 Fora as ruínas que estão lá em cima, praticamente penduradas no precipício. Só não recomendo para quem tem medo de altura.
Outra vantagem de ir dois dias é que Machu Picchu é temperamental. Peguei uma chuva torrencial no primeiro dia, mesmo já sendo fim de maio, e com uma névoa que atrapalhava muito a vista, ainda que aumentasse de aura mágica do lugar. Foi o segundo dia que me permitiu tirar a minha sequência de fotos todas iguais, como as suas!

Aluguei um carro em Cusco e fiz quase todo esse roteiro, também chegando nos melhores horários.Praticamente sem perrengues, é bem tranquilo.

Riq, interessante a informação de que é possível sair e voltar de dentro do santuário por três vezes! Estive em Machu Picchu na semana santa do ano passado (2014) e, na época, somente era possível sair e voltar uma única vez.

Adorei o texto e a descrição do seu encontro com Machu Picchu. Saí com a mesma impressão sua: Eu volto…

Riq, adorei seu relato “virgem”. A descrição da emoção foi muito legal. E as fotos! Que céu!!!! Conheci o Peru ano passado e me surpreendi muito. Só penso em voltar. Gostei tanto de tudo o que vi ANTES de chegar em Cuzco que achei que não seria possível me encantar MAIS. Mas foi. Na volta do Machu Pichu fiquei em um hotel muito fofo, que talvez você gostei (quem sabe em Setembro), fiquei no hotel NA estação de Ollantaytambo. Muito seimpático, muito europeu. Café da manhã charmoso, feito com capricho (não é buffet), nos quartos não tem nem TV. E precisa?

Que presente chegar a Machu Picchu com uma luz dessas! Ficar no Sanctuary ao lado é uma excelente dica, pois vc pode não só caminhar pelas ruínas antes dos turistas chegarem, mas também no fim da tarde quando todos já se foram, é simplesmente fantástico poder ter tudo aquilo só para vc! Parabéns pelos relatos! Obrigada

Riq, é possível contratar apenas os passeios, os guias, dessa turma? Estamos com a viagem programada para agosto e já reservamos hospedagem, compramos ingresso para Machu Picchu, bilhetes de trem… Adoraríamos ter guias de fato competentes nos guiando, fazendo da nossa viagem uma experiência. Como há muitos relatos por aí valorizando mais a “pechincha” conseguida ao contratar uma agência/um guia/um taxista, fica difícil saber quem procurar… Adorei a sua experiência! E as belas fotos!

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