Diários de Sydney
15 de janeiro de 2005. Viajar é: colecionar benjamins. A eletricidade é uma só em qualquer lugar do mundo – vá lá, em alguns lugares é 110, em outros, 220. Mas a criatividade do ser humano é infinita, então cada país com representação diplomática na ONU se acha no direito de inventar sua própria tomada, pessoal e intransferível.
Não existe lógica nenhuma na adoção da tomada xis ou da tomada ípsilon – tipo assim, uma mesma tomada para todos os países de um mesmo continente, ou uma tomada pan-imperial para todas as ex-colônias de determinado país, ou uma tomada única para todos os países que usem leite de coco e/ou exagerem na pimenta. Não. A cena é recorrente. Lá pelas 11 e meia da noite, eu vou ligar o meu laptop, e só então descubro que todos, absolutamente todos os plugues que eu comprei desde a popularização dos computadores portáteis não servem no cantinho do planeta que, naquele instante preciso, eu chamo de lar. Eu pensei que já tinha resolvido esse problema para sempre, quando comprei, na França, um kit com plugues das mais variadas posições e orientações sexuais. Mas a Austrália me obrigou a sair no meio da noite e aumentar a minha coleção. Mais um pouco e eu vou precisar comprar uma pequena mochila só para carregar meus benjamins.
Viajar é: fazer recenseamento de Havaianas. Dizem que no verão europeu já foi assim. Mas como eu não sei o que é um verão europeu desde que o real parou de valer um dólar, só pude ver com os meus próprios olhos agora. O fato é que Sydney inteira usa Havaianas. Está bem: Sydney inteira usa chinelos de dedo. À primeira vista, metade desses chinelos são Havaianas. Mas daí você olha melhor e percebe que existem muitas sandálias parecidas com Havaianas. Se você examinar com atenção – como eu, que agora não tiro mais meus olhos do chão – vai notar que, com toda segurança, pelo menos 20% dos chinelos usados pelos habitantes de Sydney são Havaianas brasileiras. As que se vêem mais na rua são a marronzinha, a preta e a branca. A que tem a bandeira brasileira na tira também faz sucesso (consta que foi o “hit” do verão europeu) – mas além dela existe uma série de Havaianas legítimas específica para o mercado daqui, com a bandeira australiana. Durante o dia, fora do centrão da cidade, você vê mais gente de chinelo de dedo do que de tênis – o que permite intuir que, fora do centro da cidade, tem mais gente calçando Havaiana do que Nike. Será que era isso que Caetano queria dizer com “Sejamos imperialistas!”? A única coisa que não combina é que queremos ser imperialistas com produtos que têm nomes de outros lugares. As sandálias brasileiras não são cariocas, mas Havaianas; o guaraná não se chama Amazonas, mas Antarctica, e a cerveja brasileira que a Interbrew quer marquetear no mundo inteiro não leva o nome do deus Tupã nem do deus Olorum, mas do deus Brahma.
Viajar é: não saber para que lado olhar na hora de atravessar a rua. Já faz quinze dias que estou perambulando por lugares de língua e mão inglesas. Mesmo depois de todo esse tempo, continuo sem saber de que lado vem o carro que vai me atropelar. Por isso, antes de atravessar a rua, olho para um lado. Olho para o outro lado. Então olho para cima, depois olho para baixo, aí dou uma volta completa no meu próprio eixo e, finalmente, espero algum nativo aparecer, quando então aproveito para atravessar junto.
Viajar é: descobrir que seu inglês não serve para nada. Não tenho certeza, mas se eu entendi direito quando me explicaram, os mesmos ideogramas chineses significam coisas idênticas tanto em mandarim quanto em cantonês – a pronúncia é que é inteiramente diferente. Em inglês é assim também. Os australianos usam as mesmas letras que os ingleses e os americanos na hora de compor suas palavras, mas pronunciam como se falassem uma mistura entre o cockney e o finlandês. Quando falo com garçons, recepcionistas e atendentes em geral, nunca consigo entender mais do que 37,4% do que eles dizem. Isso me deixa muito inseguro, e, como conseqüência, só consigo falar entre 12,1 e 13,5% do que sou capaz. Ainda não me machuquei nem coloquei ninguém em risco por causa disso, mas meus colóquios australianos já provocaram resultados inesperados. Ontem mesmo, no pub aqui perto do hotel, eu pedi duas taças de vinho e uma água com gás, e me serviram duas taças de vinho e… uma de champanhe. Mas nada se compara ao restaurante vietnamita nouveau a que fomos outro dia. Dos quatro pratos que pedimos, dois vieram trocados. Em vez de cogumelos com alho e pimenta veio um camarão com gengibre e coco. E no lugar do carneiro com macarrão de coentro veio um carpaccio de bife de Kobe com feijão verde. Tudo porque, em vez de recitar o nome do prato inteirinho, eu resolvi ser fino e pedir pelo nome do ingrediente principal. Eu poderia ter mandado os pratos de volta, mas a noite estava bonita, o restaurante era agradável e nós resolvemos não causar nenhum tsunâmi na cozinha. De todo modo, aprendi a lição. Na hora da sobremesa, em vez de pedir só uma “crème brûlée” e receber, quem sabe, uma banana split, eu olhei nos olhos do garçom e falei, pausadamente: gin-ger and li-me crè-me brûl-lée with es-pres-so jel-ly and tof-fee. P-l-e-a-s-e.
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13 comentários
Olá,
Estou montando uma viagem para a Sydney, e gostaria de saber se existe e quais os parques e/ou zôos onde é possível interagir com cangurus, tipo alimentá-los e tirar fotos.
Alguém conhece algum lugar assim em Sydney?
Abraços.
Olá, Diogo! Por favor não replique perguntas em posts diferentes. Lemos todas as perguntas. Dá trabalho ir a todos os posts só para colar links da resposta já dada…
https://www.viajenaviagem.com/e/oceania-a-z/comment-page-1/#comment-179789
Muito bom esse post! 😀 Sorte a minha que a tomada da NZ é a mesma da Austrália…
mto bacana seu blog. continue postando. vou incluir na minha lista de blogs do meu site.
abraços
Grande Riq..
É triste mesmo ir viajar e não conseguir plugar na tomada seu eletrônico..
Na viagem que fiz a Cancún junto com o segundo grupo de blogueiros peguei o adaptador emprestado da Mari Campos que ajudou muito.. Hehe..
Pra próxima viagem vou comprar um adaptador universal.. xD
Abraço..
Thiago
Riq, hilário esse seu relato. Agora, esse negócio do adaptador de tomada é um saco, mesmo, e agora, o Brasil resolveu inventar o seu próprio modelo novo – quer dizer, ainda tenho algumas dúvidas se não é igual ao suíço, mas mesmo assim, daqui a pouco todos teremos que comprar adaptadores para usar nossos próprios eletrônicos em nossas próprias casas.
Sensacional a hora de atravessar a rua!!!
Pois e as havaianas estao mesmo ganhando o mundo engracado que em cingapura encontrava muito mais variedade que no Brasil como pode??
Aqui na terrinha tens que ir nas lojas e quiosques das Havaianas, que têm estoques de mais modelos. Em São Paulo agora existe uma flagship store na Oscar Freire com os mesmos preços de supermercados.
Sobre essa confusão de tomadas, achei um guia bem razoável na web: https://www.interpower.com/ic/guide.htm
Bacana!
Hoje em dia eu não tenho mais esse problema. Saio de casa com um adaptador universal de tomadas. (É só jogar no google que aparece alguma loja virtual vendendo.)
Ai Riq, eu sempre me divirto muito com seus relatos bem humorados, hahaha…