Guia de São Paulo
São Paulo: city tour em 7 horas
(Título original do post: “A sua mais completa tradução”.) Ela ia ficar oito horas presa no aeroporto, tadinha, entre o desembarque do vôo de Toronto e o embarque do vôo a Brasília. Ela é casada há seis anos com o meu melhor amigo dos tempos de escola – a quem eu não vejo há vinte. Ela resolveu me ligar.
E então eu tive a idéia genial de usar minha nova amiga de infância como cobaia de um city-tour por São Paulo que eu pudesse patentear e que se tornasse o início de uma mega-agência de turismo receptivo que finalmente faria com que eu ganhasse dinheiro com esse assunto e ficasse quaquilionário e… AAAAIIII! QUEM FOI QUE ME BELISCOU? Ah, fui eu mesmo. Onde é que eu estava?
Ah, sim. Em Cumbica. O vôo da Air Canada chegou na hora prevista: 9h30. Mas até minha nova amiga passar pela imigração, pegar as malas e se desvencilhar da alfândega, lá se foram 45 minutos (45 minutos a menos no nosso city-tour). Mas a espera valeu. Nesses 45 minutos descobri que o Brasil não tem o mínimo do mínimo do mínimo para fazer o turismo engrenar.
Quer saber o quê? Eu digo. O mínimo do mínimo do mínimo para o turismo engrenar no Brasil seria uma plaquinha com os dizeres “Vôos de conexão/Connection flights” apontando para algum lugar.
Nos 45 minutos em que passei esperando por minha nova amiga, dezenas de gringos emergiram do portão de desembarque internacional totalmente desnorteados, tentando se comunicar por intermédio de mímica e frases sem verbo (“Salvador?”, “Rio?” “Natal?”) para descobrir para onde deveriam se dirigir.
O que a Infraero faz com a taxa de embarque mais cara do mundo, se não coloca sequer uma plaquinha de sinalização para gringos perdidos que são obrigados a desembarcar em Cumbica por falta de voos regulares a cidades realmente turísticas? Felizes dos turistas que têm alguém à sua espera, segurando um cartaz com seu nome escrito. Minha nova amiga tinha. (Quem me conhece haverá de identificar o cavanhaque grisalho.)
O itinerário era ambicioso. Incluía dois mirantes, dois museus, um mercado, uma feirinha (ou um shopping) e três opções de restaurantes. Eu sabia que não ia dar para fazer tudo – mas ao longo do passeio, à medida que eu fosse conhecendo minha amiga, eu saberia o que escolher.
A única coisa da qual eu não abria mão era começar pelo Centro de São Paulo. Por uma razão: o Centro é o único lugar onde São Paulo é 100% São Paulo. Existem trechos da cidade em que São Paulo é tão bacana quanto Nova York, ou tão fervida quanto Londres, ou onde se come tão bem quanto na Itália. O Centro de São Paulo, no entanto, dispensa comparações. Ele é o que é. As outras cidades que tentem imitar – nenhuma vai conseguir.
Primeira parada: o Mercado Municipal da rua da Cantareira. O prédio é lindo, e proporciona a introdução mais coerente possível a uma cidade que dedica todo o seu tempo livre a comer bem.
Depois que foi restaurado, no ano passado, meia São Paulo corre para lá, nos sábados de manhã, para enfrentar a fila de uma hora do pastel de bacalhau ou a fila de quarenta e cinco minutos do sanduíche de mortadela. Por isso, pegamos um grande congestionamento nas ruas próximas; minha nova amiga aproveitou para tirar fotos dos ambulantes que vendiam balas, pêras, games dos Incríveis, arrebitadores de busto e varas de pescar – parecia eu em Angola (clique aqui).
Na hora de estacionar, ela levou seu primeiro susto de brasileira que nunca esteve em São Paulo: o quê? 10 reais para estacionar nesse estacionamentozinho muquifento? (Os termos não foram esses, mas são os que eu usaria.)
Quem não quer enfrentar a fila das bancas do pastel oficial de bacalhau e do sanduíche oficial de mortadela pode subir à simpática praça de alimentação do mezzanino. Mas não, não nós não quisemos estragar o nosso almoço. Tomamos um café expresso simplesinho, pedi para fotografar um sanduba que ainda não tinha chegado a seu destino e partimos para a próxima escala.
Foi então que começaram a surgir aquelas dúvidas que ocorrem a todos os passageiros de city-tour: passar perto de alguma coisa conta? Se contar, então nós fomos à Catedral da Sé (na foto) e fomos ao Pátio do Colégio também.
Mala de bordo nas medidas certas
Se bem que nem a Sé nem o Pátio do Colégio eram assim tão fundamentais ao meu city-tour. O meu city-tour precisava passar, isso sim, pelo Edifício Martinelli, que é o edifício mais bonito – e um dos menos conhecidos – de São Paulo. Construído nos anos 30, foi o primeiro arranha-céu da América do Sul. Por conta do caos arquitetônico da cidade, contudo, o Martinelli acabou escondido da visão do paulistano. Seu vizinho, o prédio do Banespa – cópia pobre do Empire State – virou um dos símbolos da cidade. Mas na minha opinião não chega aos pés do porte, da elegância e do charme cor-de-rosa do Martinelli.
De lá fomos ao (atravessamos o) Viaduto do Chá, fomos ao (passamos ao lado do) Teatro Municipal, cruzamos Ipiranga com avenida São João (Alguma coisa acontece no meu coração etc.), deixamos o carro com o manobrista (minha nova amiga: “Gostei! No Canadá não tem isso, não!”) e subimos os 41 andares que levam ao Cristo Redentor de São Paulo: o Terraço Itália.
Tsk, tsk, tsk. Meia-decepção. O bar do Terraço Itália – com seus vidros até o chão que fazem com que São Paulo fique literalmente a nossos pés – não abre ao meio-dia. Tivemos que nos conformar em tomar um suco no restaurante, onde a visão é prejudicada pela altura do parapeito da varanda. À noite é mais bonito, sem dúvida; mas se o único passeio que você pode fazer é um “São Paulo by day”, então você não pode deixar de vir aqui. Mas cuidado: se for sábado e você não estiver imbuído de sérios propósitos de almoçar em algum outro lugar, você não vai conseguir resistir ao buffet de feijoada-pega-gringo que eles interpõem entre você e a sua mesa com vista.
Eu escondi isso de vocês até agora, mas a verdade é que minha nova amiga estava se queixando do calor desde que desembarcou, quase três horas antes, em Cumbica. Eu tinha acreditado na meteorologia e tinha dito a ela que uma frente fria chegaria à cidade junto com ela. Minha nova amiga foi por mim e veio com uma calça de meia-estação que no Brasil valeria por alto-inverno. A mala já tinha sido despachada para Brasília, e por isso uma passadinha num shopping se fazia mais do que necessária.
Se eu tivesse que mostrar apenas um shopping de São Paulo para alguém, eu não inventaria moda e iria direto ao Iguatemi (que, em termos de importância turística, talvez seja a maior atração de São Paulo, acredite se quiser). Mas por motivos práticos, resolvi levar minha nova amiga ao Pátio Higienópolis, que, além de ser pertinho de casa, acabou deixando este post muito mais fotogênico 😉
Depois de um breve pit stop em casa, fiz as contas e vi que seguir o plano inicial seria inviável. O itinerário mais bacana previa uma fuga até o Ipiranga, para um programa perfeito: visitar o museu do Ipiranga e almoçar no La Paillote, que tem o melhor (e mais caro) camarão do planeta. Já eram duas e meia da tarde, e vi que o almoço talvez fosse a última parada de nosso tour. Descartei as outras duas alternativas de pratos autenticamente paulistanos que eu tinha considerado – o polpettone do Jardim di Napoli e o suflê de goiabada com molho de catupiry do Carlota – e decidi que o almoço seria num lugar onde iríamos inicialmente apenas pela vista: o hotel Unique.
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O tempo começava a fechar. Desci pela muvuca dos Jardins, costurei pelas ruas arborizadas e repletas de mansões do Jardim Europa (“em Montreal também existem bairros assim, só que as casas não têm muros”, me informou minha nova amiga) e cheguei à nossa melancia-design de estimação, o Hotel Unique. O terraço do Unique oferece o contraponto perfeito à vista do Terraço Itália. (Se você me permite a comparação, eu diria que são vistas tão complementares quanto as do Cristo Redentor e do Pão de Açúcar, no Rio.) Aqui também é melhor vir à noite, quando a área da piscina não está reservada para os hóspedes.
Mesmo assim, se você pedir com jeitinho ao garçom, dá para ir até a beirada e ver o tapete verde dos Jardins contra o skyline de arranha-céus da Paulista – na minha falsa modesta opinião, a vista mais bonita da cidade.
Pedimos o cardápio, e o chef Emmanuel Bassoleil não nos decepcionou: entre os pratos ainda havia o “risotto PF” (na verdade, um baião-de-dois metido a besta) para dar um quê de brasilidade ao momento mais chique do city-tour.
Na saída, enquanto o manobrista buscava o carro, chamei minha nova amiga para tirar fotos em frente ao hotel – no que fui informado pelo leão-de-chácara que não era permitido tirar fotos da fachada. Cuma? Não entendi. “Desculpe, mas não é permitido tirar foto da fachada”, ele repetiu, educado e firme ao mesmo tempo. E se eu atravessar a rua? “Se atravessar a rua, pode”. E fotografar melancia na feira, ainda é permitido? Brincadeirinha, não fiz essa pergunta. Em represália, atravessei a rua e tirei a foto com a maior quantidade de fiação exposta e outros sinais de Terceiro Mundo que eu pudesse enquadrar. (Se eu não estivesse com pressa, ficaria esperando até passar uma Kombi azul-calcinha.)
Saímos do Unique, fomos ao Ibirapuera (passamos do ladinho), fomos à Avenida Paulista (desfilamos por ela todinha), fomos ao Pacaembu (costeamos todo o seu muro) e finalmente pegamos a Marginal Tietê. Deixei minha nova amiga feliz da vida em Cumbica — e voltei pensando nas coisas que não deu tempo de visitar, como a feirinha da Benedito Calixto, a Pinacoteca e o Masp.
Não, não dá para ver uma megalópole inteira em 7 horas e 15 minutos. Mas deu para ver coisas que muitos paulistanos nunca viram. Muito obrigado, Ilma. Adorei te conhecer. E espero que você tenha conseguido entender um pouquinho da minha cidade. (Acho que já tenho o nome da minha megaagência de turismo receptivo: Martinelli City-Tours.)
Republicado aos 40 do segundo tempo em homenagem ao aniversário de São Paulo. Obrigado pela lembrança, @elderc!
Leia mais:
Guia de São Paulo no Viaje na Viagem
93 comentários
Muitíssimo oportunas suas dicas sôbre o city tour de 7 horas em S. Paulo.
Pergunta: quais, dos pontos visitados, funcionam durante o carnaval.
Olá, Rubens! O Mercado Municipal funcionará diariamente até as 16h. Os mirantes funcionam. Nos anos anteriores o Masp abriu.
Olá:
irei à SP este fim de semana pela 1ª vez. Pretendo ir ao bairro da Liberdade.. Qual restaurante legal vocês indicariam para almoçar?
Desde já, obrigada
Olá, Naila! O melhor chinês é o Chi Fu (pça Carlos Gomes, 200). Japonês: vácao Sushi Lika (R. Dos Estudantes 152)
Naila, vai no Lamen Kazu. Mas tem que chegar cedo. https://www.tripadvisor.com.br/Restaurant_Review-g303631-d3767789-Reviews-Lamen_Kazu-Sao_Paulo_State_of_Sao_Paulo.html
Quando comecei a ler o post, logo pensei que fosse a Ilma… De repente o nome dela na plaquinha… Adorei!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! Só conhecia essa história do “outro lado”… Kkkkkkkkkkkkkkkkkk. Mas garanto que a Ilma adorou a mega recepção. Precisamos reunir novamente essa tchurminha de amigos de infância… Bem pouco interesseira eu, né?! Tô me achando!!!!!!!!!!!!!!!! Saudades. Bjão.
Olá, adorei as dicas! Com certeza irei levar meu amigo que chegou de Londres para conhecer todos esses lugares.
Gostaria de fazer uma pergunta sobre o restaurante Skye Bar do hotel Unique. Qual o valor em média dos pratos. Pegando por ex. este Baião de dois?
Obrigado pela atenção e parabéns!! 🙂
Olá, Everton! Este post é de 2005. Muito provavelmente esse prato não é mais servido. Não temos nem o cardápio nem os preços à mão, mas em restaurantes deste nível em São Paulo espere pagar em torno de R$ 60 pelo prato principal, individual.
Super legal! É difícil pra nós, paulistas, tão acostumados com a cidade, percebermos quantos pontos turísticos existem por aqui. Realmente, não dá pra tomar conhecimento sobre tudo em tão pouco tempo, mas o trabalho foi bem feito aqui.
Segui o que deu…a parte boa foi quando estava admirando o Ed. Martinelli olhei para o lado e achei uma confeitaria portuguesa Casa Mathilde que foi um presente dos deuses!!!! Do que escolhemos nao ficou a dever nadinha!!!! Travesseiro de Sintra, Pastel de Sao Bento e lógico Pastel de Nata.
Excelentes dicas, alias como sempre…o sanduiche de mortadela nao me atraiu nao mas o pastel de bacalhau!!!
O Mercadão realmente é demais, conheci frutas de todo tipo e o melhor, pude prová-las. Mesmo estando em São Paulo, a cidade que passo praticamente o dia inteiro, achei que valia contar minha experiência por lá…
https://jornalistaitinerante.wordpress.com/2014/04/11/mercadao-prove-queijos-cachacas-e-o-famoso-sanduiche-de-mortadela/
Estava perdida sobre como ir e o que fazer com o tempo livre com que vou ter em sp. E ai, apareceu vocês no meu Google. ameiii. amei as dicas. amei o site. li varias coisas interessantes que vou fazer. E me deu direção.. porque não sabia nem sair do aeroporto.. Parabéns pelo trabalho. É incrível tudo que vocês colocam aqui.. e muito útil. obrigada. Toda viagem que fizer passarei aqui antes. ;D