Cruzeiro pela Patagônia: Ushuaia a Punta Arenas no Stella Australis (relato da Miriam)
As expedições dos cruzeiros Australis pelos fiordes da Patagônia acontecem em dois navios: o Via Australis, em que o Ricardo Freire viajou em 2010, e o Stella Australis, o navio mais novo e bonitão da frota, que entrou em atividade em 2010.
Foi a bordo dele que a Miriam viajou entre Ushuaia, na Argentina, e Punta Arenas, no Chile. Spoiler: ela deu a sorte de conseguir desembarcar no Cabo Horn! Quer saber como foi a experiência? Vai pela Miriam:
Texto e fotos | Miriam K
Fizemos a rota de Ushuaia, no extremo sul da Argentina, até Punta Arenas, no Chile, num roteiro de três noites com o Stella Australis, que tem capacidade para 210 pessoas. A tripulação, que era em sua maioria chilena, somava cerca de 64 pessoas.
São guias que também fazem serviço de recepção e orientação dos passageiros, dão aulas sobre os lugares que vamos visitar, além do pessoal do restaurante e apoio. O médico do barco estava acompanhado da esposa e de sua filha de 12 anos.
No nosso jantar de boas vindas, anunciaram 20 nacionalidades e 9 línguas diferentes a bordo, sendo a maioria de franceses e canadenses de língua francesa. Nós éramos os únicos dois brasileiros no navio.
As cabines do Stella Australis variam de categoria de A até AAA dependendo do andar do navio, mas o tamanho das cabines é basicamente o mesmo. Todas elas têm um janelão com vidros limpíssimos que vai de cima a baixo, uma cama confortável e um pequeno banheiro.
O embarque foi super rápido e deixamos o passaporte na recepção, porque é a equipe do barco que providencia a saída da Argentina e a entrada no Chile quando passamos da metade do canal de Beagle, que separa os dois países.
Isso é feito em Puerto Navarino e para isso o navio faz uma parada enquanto estamos jantando, mas nem percebemos isso.
A organização surpreende positivamente e nunca me pareceu que houve um imprevisto. Tudo funciona: quando chegamos às cabines, as malas já estavam lá, na mesinha estavam as orientações da vida a bordo, além de um brinde do navio que é uma garrafinha metálica de água com o logotipo do navio e o símbolo do Cabo Horn.
Havia também uma programação do dia-a-dia até o desembarque e dois coletes salva-vidas que foram utilizados sempre que saímos do barco.
À bordo não há televisão, rádio ou sinal de wifi. Para nós foi uma experiência diferente: no começo é um pouco frustrante; depois, entramos no clima. Há um auto-falante no quarto que anuncia as principais atividades do dia, como os desembarques, almoço e jantar.
Refeições
As refeições principais são sempre realizadas no Comedor Patagonia na primera cubierta (deck no primeiro andar). Somos servidos pelo mesmo garçom durante toda a nossa estada no navio (na mesa escolhida no check-in ainda em terra).
Tanto o café da manhã como o almoço são tipo buffet, sendo que no primeiro havia uma estação quente e uma fria, além de um setor de pães e doces.
No almoço havia opções para todos os gostos com um grande setor de sobremesas, mas o jantar tinha menu pré-determinado com duas opções de entrada, dois ou três pratos quentes, além de sobremesa ou frutas.
Os pratos tinham uma bela apresentação e acredito que conseguiram agradar à maioria, embora nem sempre fossem muito fartos. A cada refeição havia duas opções de vinho tinto e duas de vinho branco, à vontade, sempre chilenos Errazuriz.
Programação
A programação é fixa ao longo da temporada.
A partida do cruzeiro de três dias de Ushuaia a Punta Arenas ocorre à noitinha das quartas-feiras, e as principais atividades são o desembarque no Cabo Horn, na Baía de Wulaia, onde esteve Darwin, no Glaciar Aguila e a visita aos pinguins na Isla Magdalena.
A chegada a Punta Arenas acontece às 11h do sábado. No restante do tempo há atividades, filmes e palestras sobre a região.
Logo após o embarque houve uma palestra com instruções de segurança e, a seguir, uma apresentação sobre a primeira atividade que teríamos no dia seguinte: o desembarque no Cabo Horn.
A cada saída do barco tínhamos que usar um colete salva-vidas e deixar a identificação metálica do colete num quadro, para que se controlasse quem havia desembarcado naquele local.
No nosso caso, como havia um grande grupo de francófonos, eles formavam um grupo à parte, além dos de língua espanhola e inglesa, e assim fomos sempre divididos em três grupos a cada palestra e a cada desembarque.
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Cabo Horn
O Cabo Horn é ponto mais austral da América do Sul e só pode ser visitado através de cruzeiros que passam pela região durante o verão.
Havia uma grande expectativa pois nem sempre é possível desembarcar na ilha em função do clima, dos ventos e das condições do mar.
Antes do desembarque dos passageiros há uma equipe do navio que vai até lá para confirmar as condições da ilha, ou seja, só temos certeza mesmo que o passeio será possível quando eles anunciam que vai dar.
Como o desembarque é muito cedo, às 7h já estávamos todos vestidos que nem cebola, com botas, gorros, luvas, com centenas de máquinas fotográficas, celulares, iPads, filmadoras, além do colete salva vidas, é claro.
Formamos grupos de 10 a 12 pessoas para entrar nos botes Zodiac, que em 5 minutos nos deixaram na ilha. Para cada embarque e desembarque há uma nova orientação de segurança para evitar acidentes.
São 6 botes Zodiac que vão e voltam da ilha até que todos os passageiros sejam transportados. Li vários relatos de pessoas que chegaram totalmente molhadas à ilha, mas, nesse dia, o mar estava calmo e foi uma tranquilidade.
Depois dessa curta navegação chegamos ao pé de um penhasco numa praia rochosa. O desembarque ocorre num píer que só é acessível quando a maré permite, e são mais 100 degraus até o topo.
Na ilha há somente uma família que mora ao lado do farol, além de vários monumentos relacionados à descoberta e conquista do local.
Ficamos cerca de uma hora em terra mas fico imaginando como seria ficar meses a fio em um lugar em que só há nuvens e o mar para olhar.
A comunicação é feita via satélite, mas disseram que é irregular e não ocorre durante todo o tempo.
Para nós que chegamos através de um confortável cruzeiro, num dia calmíssimo, é difícil imaginar as condições que os navegadores enfrentaram desde o século 17, e parece mesmo história do passado saber que há centenas de navios naufragados na região.
Já em terra firme, o vento é contínuo e vemos a vastidão do Atlântico de um lado e do Pacífico do outro. Mesmo com o bom tempo que tivemos, a paisagem é desoladora e cinzenta. Só há uma vegetação rasteira e não há nenhum animal na ilha.
Naquele dia havia uma porção de trabalhadores reinstalando a escultura de José Balcells, o Monumento ao Albatroz, em homenagem ao marinheiros que morreram na região, em formato de um albatroz vazado e que desapareceu ao vento em janeiro de 2015.
Em 28 de janeiro de 2016 haverá uma grande comemoração dos 400 anos do descobrimento do Cabo Horn, com a presença dos Reis da Holanda e da Presidente do Chile.
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Baía Wulaia
Retornando ao barco, tomamos o café da manhã confortavelmente para depois assistirmos a uma palestra sobre a geografia da região patagônica e sobre a excursão da tarde seguinte.
A importância histórica da Baía Wulaia decorre do fato de Darwin ter permanecido no local entre 1833 e 1835 a fim de fazer suas observações sobre a região que era habitada por nativos yaghan, também chamados de yamanas.
O desembarque na Baía Wulaia segue os mesmos procedimentos de segurança.
Em terra, há um pequeno museu com réplicas de objetos indígenas, mas as principais atividades no local são a caminhada pelas praias ou até um mirante no topo do morro, dependendo da forma física de cada um.
Escolhemos a trilha Darwin pelas montanhas onde pudemos conhecer um pouco da vegetação local: lengas, nirres, coigues, calafate e outras.
Há áreas devastadas, mas por castores que foram introduzidos na região visando a produção de peles. Como não tinham predadores naturais e se adaptaram ao ambiente, foram se disseminando cada vez mais.
No final da caminhada havia um garçom na praia servido café, chocolate quente e chá com petiscos antes de voltarmos para o barco. Interessante ressaltar que essa nossa aventura ao fim do mundo estava ocorrendo a pouco mais de 50 km do nosso ponto de partida em Ushuaia!
Glaciar Águila
O trajeto da Baía Wulaia até a próxima parada para conhecer o Glaciar Águila foi de 230 milhas náuticas, um pouco mais que 425 km, mas parte delas ocorre em mar aberto, e aí vemos o mar bem mais agitado batendo nos vidros. Quando nos refugiamos entre as ilhas tudo volta a ser aquela calmaria de lago.
No segundo dia pela manhã houve uma apresentação sobre a conquista do Estreito de Magalhães pelo navegador português Fernando de Magalhães e instruções sobre o desembarque no Glaciar Águila, que seria nosso programa de fim de tarde.
O glaciar está dentro do Parque Nacional Agostini e, segundo informações, os cruzeiros Australis têm a exclusividade de desembarque no local por mais alguns anos, significando que ninguém mais estaria lá, mantendo a região protegida e intocada.
Um glaciar nada mais é do que uma massa de gelo decorrente da compactação da neve ao longo do tempo, que pode ser de anos, séculos ou milênios, dependendo da localização.
Eles podem se movimentar e deformar a paisagem por onde passam e a maioria deles está encolhendo em função do aquecimento global.
Alguns glaciares são a fonte de icebergs que flutuam nos mares, mas o Glaciar Águila termina no seco de uma montanha, algo muito surreal, especialmente se depois comparados com outros como o Glaciar Grey, em Torres del Paine, e o Glaciar Perito Moreno, na Argentina.
Para se chegar até o Glaciar Águila embarcamos nos botes Zodiac com toda aquela parafernália de sempre, deixamos os coletes na praia para uma caminhada razoável, porém plana, ao longo da praia, depois por uma mata ciliar para finalmente darmos de cara com aquela montanha de gelo.
Podemos chegar até cerca de 50m do glaciar, mas de longe é que temos uma ideia melhor.
No final desse dia ainda tivemos uma apresentação sobre os pinguins de Magalhães e instruções para o desembarque logo cedo no dia seguinte. Mais tarde houve o jantar de despedida com o capitão, além do sorteio da carta náutica utilizada para chegar ao Cabo Horn, mas não fui a sortuda.
Mala de bordo nas medidas certas
Isla Magdalena e os pinguins de Magalhães
A descida na Isla Magdalena com seus pinguins é bem menos estressante do que no Cabo Horn porque lá as águas são mais protegidas, além de haver um píer estreito que avança uns 30 metros na água, facilitando muito o desembarque.
Além de pinguins de Magalhães, impressiona o número de aves, que são na maioria gaivotas, embora muitas outras sejam citadas. Elas chegam a dar um rasante nas pessoas que andam pela ilha.
Há uma trilha delimitada de madeira, do píer até no alto da ilha, onde há um farol e as bandeiras do Chile e da Região de Magalhães. Somos orientados a não sair dela porque os pinguins fazem seus ninhos em buracos cavados no solo.
Eles estão muito acostumados com os humanos e não dão nem bola para nós. Alguns têm até nome e fazem parte das pesquisas que são realizadas na ilha.
Por vezes eles atravessam em grupos a ‘nossa trilha’ para ir em direção ao mar e são muito engraçadinhos andando para lá e para cá. Em dezembro, quando visitamos a ilha, havia diversos ninhos com ovos, muitos com um ou ambos os pais chocando os mesmos.
O desembarque em Punta Arenas é um pouco demorado, pois primeiro vão as bagagens, que são inspecionadas pelos cães farejadores, depois vão ao pessoas de ônibus até o terminal.
Como toda viagem em grupo, sempre tem aquele que fala alto demais, que passa perfume demais, que quer sempre ser o primeiro, mas podemos manter uma boa privacidade se quisermos.
O wifi faz falta principalmente no primeiro dia, quando nos damos conta que nunca estivemos totalmente desconectados do mundo, mas depois acabamos entrando no clima.
Acredito que o cruzeiro, mesmo que seja feito de forma isolada, é uma boa maneira para se conhecer um pouco da região patagônica. Não dá para ficar entediado.
Mais um excelente relato, Miriam! Obrigado!
Os cruzeiros Australis fazem viagens entre Ushuaia, na Argentina, e Punta Arenas, no Chile, e também roteiros “round trip” que saem e retornam para o mesmo porto. Os programas vão de 3 a 7 noites.
Leia mais:
- Ushuaia: a porta de entrada para o fim do mundo, no relato da Miriam
- Entre Ushuaia e Punta Arenas, pelos fiordes da Patagônia
- Cruzeiro Australis | A ida: de Ushuaia a Punta Arenas
- Cruzeiro Australis | A volta: de Punta Arenas a Ushuaia
- Terra do Fogo: cruzeiro Australis, pingüins, pesca e sobrevôos
- Patagônia: como se deslocar entre os destinos (de avião, ônibus e barco)
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20 comentários
Boia, qual o site oficial da companhia?
Olá, Francisco! https://www.australis.com/pt-br/