Casas de Pablo Neruda no Chile: como visitar La Chascona, La Sebastiana e Isla Negra
Casas de artistas e personalidades estão entre meus museus favoritos: misturam história, arte e fofoca em proporções ideais. O acervo costuma ser divertido, com o valor afetivo se impondo sobre o valor artístico. São acessíveis até para quem não conhece a vida ou a obra do dono da casa (e servem de estímulo para ir atrás delas). Isso explica por que as três casas de Pablo Neruda, transformadas em museus, estejam entre os pontos mais visitados do Chile.
Maior poeta chileno (Prêmio Nobel de Literatura em 1971), Neruda usava suas casas como uma forma de expressão artística. Todas as três foram buriladas como um poema nunca dado por terminado. Pode-se pensar nas casas também como personagens, já que cada uma tem uma personalidade peculiar.
Pablo Neruda não vivia apenas de poesia: foi diplomata de carreira, tendo servido na Ásia (Birmânia, Ceilão, Indonésia, Cingapura) e na Europa (França e Espanha), sempre trazendo consigo objetos artísticos ou simplesmente curiosos, que acabaram expostos nas três casas.
Também foi senador e chegou a se candidatar a presidente, abdicando da candidatura em favor de Salvador Allende, que viria a ser eleito. Morreu pouco depois do golpe militar liderado por Augusto Pinochet, de um câncer de próstata, seguramente agravado pela depressão causada pela política.
Para um comunista, Neruda levou uma vida bastante burguesa — o que só faz aumentar o fascínio pelo personagem.
Veja a seguir como visitar as três casas de Pablo Neruda — La Chascona em Santiago, La Sebastiana em Valparaíso e Isla Negra em El Quisco.
Não é permitido fotografar interiores.
Audioguias em português estão incluídos no preço do ingresso.
La Chascona, Santiago
É a mais poética das três casas de Pablo Neruda: nasceu como um esconderijo seguro para sua vida amorosa com Matilde Urrutía, então clandestina. La Chascona quer dizer “A Cabeluda” ou “A Descabelada”, numa referência aos cabelos revoltos de Matilde. O terreno foi comprado em 1953 e inicialmente Matilde viveu ali sozinha. Ao se separar em 1955 (de sua segunda mulher), Neruda se mudou para lá. Viveriam juntos pelo resto de sua vida.
Aqui Neruda guardava os quadros presenteados por importantes pintores amigos seus, que acabaram constituindo uma valiosa pinacoteca. A peça mais carismática é um retrato de Matilde com duas caras, feito por Diego Rivera, no qual se percebe um perfil de Neruda entre os cachos de Matilde.
A casa foi crescendo desordenadamente, numa série de puxadinhos que Neruda ia inventando. O audioguia explica o motivo e o uso de cada novo ambiente. Neruda era um acumulador: o bar tem mesinhas que ele cismou de trazer de um café em Paris.
La Chascona foi vandalizada durante o golpe que levou Pinochet ao poder. Matilde, porém, morou ali até a sua morte, em 1985.
Como chegar a La Chascona
La Chascona se encaixa muito facilmente no roteiro básico de Santiago. Desça na estação Baquedano do metrô (linhas 1, vermelha, e 5, verde), atravesse a Costanera, cruze o shopping Patio Bellavista e continue à esquerda pela Constitución. No fim da rua você já verá sinalização para La Chascona, que fica numa ruelinha na encosta do Cerro San Cristóbal.
Depois de visitar a casa, pegue o plano inclinado para subir ao mirante do Cerro San Cristóbal. Caso queira continuar o passeio ao Mercado Central, pegue a linha 2 (amarela) na estação Patronato (Santa Filomena esquina Recoleta) e desça uma estação adiante, em Puente Cal y Canto.
Informações práticas
No mesmo gênero, no Brasil
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La Sebastiana, Valparaíso
“Ricardo Eliecer Neftalí Reyes Basoalto nació en Parral, en el sur de Chile”, explicou a guia do passeio combinado Vale de Casablanca, Valparaíso e Viña del Mar. Chocado, aprendi que Pablo Neruda era só um pseudônimo.
(Parênteses: o tour para mim foi conveniente porque desembarquei em Valparaíso, onde passei duas noites. Mas NÃO indico este passeio para quem quer realmente visitar Valparaíso e Viña: não dá tempo! Se quiser fazer um passeio combinando alguma vinícola do Vale de Casablanca com outra atração, combine Casablanca com Isla Negra — aí fica redondinho.)
La Sebastiana foi comprada inacabada em 1959, em sociedade com um casal de amigos, que ficou com o porão e os dois primeiros pisos; Neruda ocupou o terceiro e o quarto, porque o que lhe interessava ali era a vista do porto. Aqui ele vinha escrever — e festejar o Ano Novo. A casa foi saqueada no período Pinochet e restaurada nos anos 90.
Das três casas de Pablo Neruda, foi a que me emocionou menos (diria até: nada). Os cômodos, muito apertados, tornam a visita difícil, e o acervo de móveis e objetos não é tão bonito quanto o das outras duas. Talvez num dia bonito, dê para se ter a vista que encantava o poeta…
Como chegar a La Sebastiana
La Sebastiana está a 2 km do Cerro Alegre e a 2,5 km da Rodoviária de Valparaíso. Não vale a pena caminhar morro acima. Um táxi desde o Cerro Alegre ou desde a Rodoviária de Valparaíso deve sair 5 mil pesos chilenos (o preço deve ser negociado de antemão com o taxista). Depois de visitar a casa, tome outro táxi para o Cerro Alegre; o entorno da Sebastiana não é charmoso. Tours a Valparaíso e Viña del Mar sempre fazem uma parada aqui.
Informações práticas
Onde se hospedar em Santiago:
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Isla Negra, El Quisco
Normalmente referida como “a terceira casa de Neruda”, na verdade Isla Negra é a primeira: foi comprada em 1939 — e depois ampliada em diversas reformas. (A locomotiva do jardim é só uma escultura, que homenageia seu pai, que era ferroviário.)
É aqui que ele vinha para produzir, envolto pelo barulho das ondas e um eventual tlin-tlin-tlin da chuva no telhado de zinco que mandou instalar no cômodo em que escrevia (e que, quando acontecia, relembrava a chuva inermitente da Temuco de sua infância, no sul do Chile). A casa foi rebatizada Isla Negra porque aqui ele se sentia ilhado para criar. O nome da casa acabou designando esse trechinho da costa de El Quisco.
Das três casas de Pablo Neruda, Isla Negra é a que mais tem cara de museu: aqui estão várias das coleções de Neruda, como as carrancas de barcos, as miniaturas de barcos dentro de garrafas, objetos de vidro, conchas, até dentes de baleia.
Nesse aspecto, entre as casas de Pablo Neruda é a mais parecida com a Casa do Rio Vermelho de Jorge Amado e Zélia Gattai — só que bem mais opulenta. (Eu costumo brincar que as casas de Neruda poderiam ser amigas da casa de Jorge e Zélia e trocarem cartas e confidências sobre os seus donos.)
Neruda estava aqui na comemoração das Festas Pátrias de 1973 (mesmo sob Pinochet, ele insistiu em festejar o dia que lhe era caro), quando, ao passar mal, foi levado a Santiago, onde morreria em seguida.
(Existe uma corrente que afirma que ele teria sido envenenado no hospital. Há alguns anos, seu corpo foi exumado, mas não foram encontrados indícios de envenenamento.)
A casa, legada ao Partido Comunista, foi expropriada pelo governo. Depois da redemocratização, foi cedida à Fundação Neruda, que realizou o desejo do poeta de ser enterrado aqui, ao lado de Matilde. É possível visitar apenas o túmulo (e por conseqüência os jardins) sem pagar ingresso.
“Voltei de minhas viagens. Naveguei construindo a alegria”, Pablo Neruda mandou inscrever numa viga na entrada de Isla Negra. Quem quiser adotar para a vida, é só pegar: não custa nada.
Como chegar a Isla Negra
Isla Negra costuma ser oferecida em tours combinados com alguma vinícola do vale de Casablanca.
É muito fácil ir de carro: dá 75 km de Valparaíso e 115 km de Santiago. O melhor esquema é alugar um carro e programar um ou dois pernoites em Valparaíso. (O único perrengue desse esquema é que, caso queira incluir alguma vinícola do Vale de Casablanca no roteiro, quem dirige não faz degustação.)
É possível também ir por transporte público. Saindo de Santiago, vá ao terminal Alameda (metrô Universidad de Santiago, linha 1) e compre passagem na TurBus a Isla Negra; você deve ser embarcado num ônibus a Algarrobo. A viagem leva duas horas. Saindo de Valparaíso, vá à Rodoviária e procure o guichê da Pullman Bus Lago Peñuelas (não é a mesma Pullman Bus grandona, é outra cia.) Em 2015, fiz Valparaíso-Isla Negra de ônibus e paguei 3.500 pesos chilenos por trecho. Compre passagem a Isla Negra e você deve ser embarcado num ônibus a San Antonio ou Cartagena. A viagem leva 1h40.
Em ambos os casos, avise o motorista que você vai saltar em Isla Negra. Ao descer, siga em frente até encontrar quiosques de artesanato. A entrada para pedestres fica ali.
Informações práticas
Leia mais:
- Guia de Santiago: quando ir, como chegar, onde ficar, onde comer e quais os melhores passeios
- Valparaíso, surpreendente e boêmia
39 comentários
Achei linda a la chascona, cheia de vida e encantadora, viva! A da Isla nao fomos e Valparaíso estava fechada. Ameii
Boa tarde Bóia, vc acha que vale a pena ir na casa La Sebastiana numa segunda feira somente para ver a vista? Obrigada
Olá, Anne! Não vale a pena não. A casa não está num ponto bonito de Valparaíso, não. Vá direto ao Cerro Alegre/Concepción, que é a parte mais fotogênica e vibrante da cidade.
(Não fique triste por não visitar La Sebastiana, o Ricardo Freire acha que a casa não chega aos pés das outras duas.)
Boia, você sabe se em Isla Negra ainda pode guardar malas na entrada do museu? Lembro que podia quando eu fui, mas faz muito tempo (foi 2005). Já mandei dois e-mails para o museu, mas eles não respondem… Quero alugar um carro, mas não gostaria de deixar as malas dentro, porque sei que carros alugados são visados. Obrigada desde já!
Olá, Luciana! Devido aos problemas com arrombamentos na região, não creio que eles se recusariam a guardar suas malas, nem que fosse no escritório ou no restaurante.
Olá! Para ir de Isla Negra para Valparaíso, dá para comprar na hora? Será que o quiche funciona aos domingos? O embarque é no guichê mesmo?
Olá, Cauhuana! Você paga a passagem diretamente para o motorista se o guichê estiver fechado.
Olá! É possível fazer o passeio a Isla negra e à uma vinicola do Vale Casablanca no mesmo dia, por conta própria, a partir de Santiago? Neste caso, em quanto tempo daria pra visitar o museu?
Olá, Carolina! Só se você for de carro. De transporte público não dá tempo.
Irei a Isla Negra em uma segunda e sei que a casa estará fechada a visitações. Gostaria de saber se é possível visitar apenas o túmulo (e por conseqüência os jardins. rsrs) nesse dia. Obrigado!
Olá, Daniel! Não sabemos, mas provavelmente não será possível, porque o portão da casa estará fechado.
na verdade não sao 3 casas, sao 4, Esta faltando a de Temuco
Ouvi outro dia dicas do R freire no radio e achei over dose ir as três casas, fui só a Chacona, muito engraçada, pitoresca e com audio guide muito bom. Não ouvi ele falar do centro histórico, Pálacio da Moneda e Catedral e outras caminhadas, acho mais legal do que ir as 3 casas..
Olá, Monica! Existe uma limitação de tempo no rádio, sempre vai faltar alguma coisa. Aqui no site, por favor sempre procure os guias de destino, onde encontrará outros assuntos, como por exemplo a caminhada pelo centro histórico.
Leia:
https://www.viajenaviagem.com/o-que-fazer-santiago
Que post legal e explicativo! Tenho vontade de voltar ao Chile justamente para conhecer as casas do Neruda. Não fui a La Chascona porque já era tarde depois da visita ao Cerro San Cristóbal. Fui a La Sebastiana, mas só olhei por fora, pois no passeio da Turistik a Viña del Mar e Valparaíso não havia tempo para a visita interna (o que achei um absurdo!). Não sabia que Isla Negra era tão perto. Já adorei La Sebastiana (ainda que só vista por fora), que o Ricardo nem gostou, imagina as outras. Esse ano ou no ano que vem vou com certeza, e elevo minhas crianças junto, tenho certeza que vão adorar.
Nossa! As melhores dicas que já vi para visitar as casas do meu xará!
Mas só pra não deixar de ser chato e detalhista, Neruda ganhou o Nobel em 1971, no governo de Allende, quando era Embaixador em Paris. E obviamente não foi uma revolução que levou o Pinochet ao poder, e sim um sangrento Golpe Militar. Inclusive, ainda há suspeitas de que a morte de Neruda foi apressada por uma injeção ordenada pela ditadura do Pinochet, mas isso nunca ficou claro. No seu discreto enterro, dez dias depois do Golpe, a repressão chilena aproveitou para prender e desaparecer a vários dos participantes.
O Neftalí original adotou seu pseudônimo em homenagem ao poeta tcheco Jan Neruda. Abração!
Ops, cafundi as décadas, tá corrigido! (tinha errado também mais embaixo, como se o golpe tivesse sido em 63). ‘Revolução’ foi usado no sentido do golpe militar brasileiro, mas OK, não quero ferir susceptibilidades, já emendei 🙂
E como o corpo foi exumado recentemente e não foi comprovada a tese do envenenamento, resolvi deixar quieto… mas já acrescentei a história.
Obrigado pelos comentários, como sempre!