Uma carioca na Ásia (ou: a gringa era eu!)

Sofro dessa esquisitice, comum a muitos turistas, de querer viajar para experimentar o que houver de mais autêntico em cada lugar. Ir aonde os habitantes daquela cidade vão, ver onde eles moram, usar o transporte que eles usam, almoçar e jantar como eles almoçam e jantam. É quase como ser um agente secreto infiltrado, espionando a vida real dos nativos; de preferência, sem que eles percebam (para que as fotos saiam mais espontâneas). A vitória? Ser confundido com um deles. “Você é do Brasil? Achei que morasse aqui.”

Turista em Macau

Tudo uma bobagem, eu sei. Primeiro, porque eu não gostaria de ser nada senão brasileira, e segundo, porque a vida de turista é o maior barato. Mas tenho dessas coisas.

Esperava que a brincadeira pudesse ir longe, até que quem foi longe fui eu — até a Ásia. E na Ásia, alguém com a minha cara não passa por nativo, e nem passa por turista. Na Ásia, eu sou gringa mesmo.

O gringo é a antítese do nativo. Ele não consegue se misturar; destoa. Destoa tanto a ponto de fazer com que a boa educação das pessoas se perca um pouquinho. O gringo não é visto. O gringo é observado, analisado, vira atração. Vez por outra, até se aponta pra ele.

Na semana que passei na Ásia, experimentei, pela primeira vez, ser tão gringa quanto os alemães que encontro pelo Arpoador tentando pedir um PF no boteco. Essa era eu, a única ocidental num restaurante de dim sum em Hong Kong, onde as mesas eram coletivas, tentando equilibrar uma panqueca inteira de massa de arroz molenga entre dois palitinhos.

Restaurante de dim sum em Hong Kong

Chee cheong fun, panqueca de massa de arroz

As garçonetes só falavam cantonês, e eu lá, precisando tanto de um garfo e faca. Acabei usando o hashi para partir a panqueca, e aí está a vantagem de ser gringo: essas gafes são realmente esperadas de você.

Pedi ajuda a nativos para aprender algumas palavras em cantonês. O kit básico: olá, tudo bem, obrigado. Não parecia complicado, e eu achava que estava repetindo igual, mas os risinhos e as correções me levam hoje a crer que, em vez de “muito obrigado”, eu deveria estar dizendo algo absurdo como “meu nome verdadeiro é Walter”.

Logo reparei que gringo nunca é cumprimentado no idioma local. Gringo só é cumprimentado em inglês.

A propósito, em Cingapura descobri que meu inglês é bem menos inteligível do que eu imaginava. Volta e meia eu precisava soletrar ou escrever o lugar aonde queria ir, ou o que eu estava procurando. E não, não eram eles que não entendiam o idioma direito. O inglês é língua oficial em Cingapura. O meu sotaque de gringa é que era complicado. Mais ou menos como se o alemão do PF tivesse aprendido o pr’tuguêj de P’rtugál, e chegasse no boteco do Arpoador pedindo um cald’nho de f’jáo, faj favoire.

No fim das contas, nós nos entendíamos. Como gringa, eu causava simpatia. Camareiras perguntavam de onde eu era, se espantavam com a distância, queriam saber por que eu havia ido parar tão longe, do outro lado do mundo. Cada serviço de quarto rendia um longo e ótimo papo. Um taxista, quando soube que o grupo de jornalistas com quem eu viajava vinha do Brasil, desandou a falar de futebol. Contava como seu jogador favorito era uma fera dos dribles. O nome dele? Segundo o motorista, Ronaldin Hu — do Rio Grande do Sul diretamente para os gramados de Xangai.

Você vai dizer que esse tipo de papo, dentro de um táxi, rola com qualquer brasileiro, em qualquer lugar. Tudo bem. Mas só na Ásia aconteceu de um pai trazer o filho, um neném de colo, para me ver e me dar tchauzinho. Acenei de volta, rindo da loucura da situação.

Mas doido mesmo foi descobrir que, do lado de lá, a percepção sobre os ocidentais é a mesma que a nossa, sobre os orientais. Numa conversa, uma guia de turismo em Hong Kong comentou “Para vocês, nós aqui somos todos parecidos, né?”. Eu disse que, depois de alguns dias na Ásia, isso já não era mais verdade; conseguia perceber mais nitidamente as diferenças entre chineses e japoneses, por exemplo, e dos chineses entre si. Fiquei curiosa para saber o ponto de vista dela: “E como vocês vêem a gente?”. Ela revelou: “Vocês, para nós, são todos iguais!”.

E assim eu descobri como é não apenas ser gringo, mas um gringo igual a todos os outros. Eu gostei: se na Ásia eu não conseguia me misturar aos nativos, ao menos contava com uma identidade genérica. Com ela, ganhava uma licença para passar vergonha — utilíssima! –, e ainda batia altos papos com gente tão interessada em saber de mim quanto eu queria saber delas. Talvez essas pessoas, hoje, nem lembrem mais do meu rosto. Tudo bem. É que nós, gringos, somos mesmo todos iguais.

Mariana viajou a convite do Hong Kong Tourism Board e da Edelman Significa.

(Transcrito manualmente de um post publicado em maio de 2013. Pedimos desculpas pelos comentários que não puderam ser transferidos)

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    5 comentários

    Verdade. Adorei seu relato.
    Cheguei faz 2 dias em Hong kong e, para mim, eles continuam muito parecidos… E hoje, passei por uma vergonha, também com os pauzinhos :). O nome do prato? ” trouxinha de legumes”. :). Beijinhos.

    Mariana,
    Acabo de ler seu relato é não tem como não me achar nele… Estou há 4 dias em Shanghai, e… Sou muito gringa!!! Rsrs
    E de fato somos atração, nos observam com muuiita curiosidade. No meu caso que tenho cabelo cacheado ( e ruivo) até as crianças ficam olhando…
    mas sem dúvida, de todos os lugares que visitei ( e fui gringa) por aqui não tem como não destoar.

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