Rio: na Pedra do Sal e no Andaraí, 2a. é dia útil pra cair no samba
Estou passando uma temporadinha no Rio de Janeiro (pena que está acabando, snif) e tenho aproveitado para fazer alguns programas que meus amigos descolados sempre recomendaram, mas nunca encontrei tempo para conferir. Ainda não foi desta vez que fiz todos, mas já deu para ticar alguns da lista. Vou dar o serviço aos poucos. Hoje é a vez de uma dica que transforma o início da noite de segunda-feira num dia muito mais divertido que qualquer domingo: as rodas de samba da Pedra do Sal, no Centro, e do Samba do Trabalhador, no Andaraí.
–> Pedra do Sal: berço do samba carioca escondido no centro do Rio
[Largo João da Baiana, Pedra do Sal]
Eu já tinha ido duas vezes à Gamboa — mais especificamente, ao Trapiche Gamboa, que é um lugar que adoro. (Na última dessas visitas, notei que a boate gay The Week fica a meia quadra de distância, na calçada em frente.) Mas sempre fui de táxi, e à noite, e sem ter olhado antes no Google Maps; e por isso achava que aquilo ficava numa lonjura que só.
Que nada: a Gamboa e sua vizinha Saúde ficam bem no centro da cidade, no finalzinho da avenida Rio Branco. Ou melhor: no comecinho da avenida, onde está o edifício Rio Branco 1, um prédio modernoso que é a melhor referência para um visitante. Do outro lado da calçada já está a Praça Mauá e, para além dela, a zona portuária.
[Edifício Rio Branco 1 e tapume do MAR]
A região está toda em reforma, por conta do projeto Porto Maravilha. Ali mesmo na Praça Mauá vai funcionar o MAR, Museu de Arte do Rio. Promete-se até a demolição do elevado da Perimetral, o equivalente carioca do Minhocão paulista. A rua Sacadura Cabral, que leva aos bairros da Saúde e Gamboa, virou um canteiro de obras.
[Ladeira para a igreja de São Francisco da Praia; graffiti na Pedra do Sal]
O casario por ali é lindo — mas está, em grande parte, decrépito. Pegue qualquer ladeirinha à esquerda e você subirá ao Morro da Conceição, lugar bucólico com ruas de nomes engraçados, como Ladeira do João Homem e Rua do Jogo da Bola. Para chegar à Pedra do Sal, basta se manter no plano, enveredando da Sacadura Cabral para o Largo de São Francisco da Prainha; quando a rua acabar, você vira à esquerda e terá chegado ao Largo João da Baiana, nome oficial do lugar.
Originalmente a Pedra do Sal servia como local de desembarque de carregamentos de sal. O mercado de escravos também ficava por ali. Conhecida por “Pequena África”, a região sempre foi densamente povoada por negros; abrigou um quilombo e muitos terreiros de candomblé. O samba, em seu formato carioca, foi gestado naquelas bandas; o primeiro bloco de carnaval também.
[Roda de Samba da Pedra do Sal]
Toda segunda-feira uma roda de samba celebra as tradições do lugar. Um mesão é montado ao pé da pedra e os músicos vão se revezando nos instrumentos. Só a música é amplificada; a cantoria é no gogó mesmo.
[Roda de samba da Pedra do Sal]
Reconheci pouquíssimas músicas, mas o pessoal que freqüenta conhece e canta junto. Uma felicidade. O suprimento de cerveja é bem organizado: 3 fichas de latão por R$ 10. E não se paga nada para ouvir ou sacolejar.
[Angu do Gomes]
No largo há uma baiana de acarajé. Mas se quiser quitutes mais cariocas, passe antes ou depois do samba no Gracioso, um venerável botequim ali pertinho, na Sacadura Cabral, ou faça como eu: encare o angu no Angu do Gomes, no Largo de São Francisco da Prainha.
Em priscas eras havia um esquadrão de carrocinhas vendendo o Angu do Gomes pela cidade. Pedi a preparação tradicional — o angu (de boa consistência, só um pouquinho mais ralo que uma polenta mole) com miúdos de boi, servido numa tigela de alumínio (muito barato: R$ 11). Estava uma delícia. Mas você pode pedir o seu angu com carne moída ou lingüiça, que eu não fico ofendido 😀
Roda de Samba da Pedra do Sal. Largo João da Baiana, Saúde, zona portuária do Rio. Toda 2a. feira a partir das 19h (consulte o blog da roda de samba para eventuais cancelamentos). Grátis. Como chegar: as duas estações de metrô mais próximas são Uruguaiana (na avenida Presidente Vargas) e Carioca (na avenida Rio Branco). A Carioca é mais longe mas o caminho é mais civilizado; recomendo.
–> Samba do Trabalhador: batendo ponto no Andaraí
[Samba do Trabalhador]
“Mas vocês só dão dicas da Zona Sul” — eis a reclamação mais comum que um guieiro ouve sobre o que escreve do Rio de Janeiro. OK, crítica aceita. Vamos começar a nos redimir, então.
Estando numa segunda-feira no Rio, tome um táxi no fim de tarde para o Clube Renascença, no Andaraí (ou no Grajaú, ou mesmo em Vila Isabel, dependendo da perspectiva ou do grau de exatidão geográfica adotado pelo seu interlocutor). Ali, desde 2005, o compositor Moacyr Luz, integrante da crème de la crème — ou melhor, do caldinho do caldinho — do samba carioca realiza todo início de semana o Samba do Trabalhador.
O nome vem do fato de segunda ser o dia de folga dos músicos, que passaram o fim de semana na ativa, e então poderiam usar a segunda para tocar só o que gostam e se divertir entre amigos.
[Clube Renascença, Andaraí]
A roda de samba começa ao entardecer e acaba antes das 10 da noite. Chegamos às 15 pras 7 e ainda conseguimos uma mesa. Mas o lugar só encheu mesmo — e a pista só se animou de verdade — lá pelas 8.
Moacyr Luz canta e recebe convidados — na nossa segunda apareceu o Almir Guineto. (Ah, sim: aqui o cantor também tem direito a um microfone.) Reconheci muitos sambas e cantei junto. Me esbaldei.
[Samba do Trabalhador]
Como evento, o Samba do Trabalhador é bem diferente da roda de samba da Pedra do Sal. Na zona portuária o samba é autêntico mas o clima é meio alternativo-hipster; já no Andaraí você se sente numa festa de bairro. É muito bacana ver o pessoal arrumado (da próxima vez vou me arrumar um pouquinho também).
Tem acarajé e um bar que vende caldinhos, pastéis e aperitivos de botequim. Pra consumir tem que pegar ficha.
Samba do Trabalhador. Clube Renascença, rua Barão de São Francisco, 54 (travessa da avenida Maxwell), Andaraí. Toda 2a. das 17h às 21h30. Ingresso: R$ 10. Como chegar: um táxi da Zona Sul vai dar entre R$ 35 e R$ 40. Dá para ir de metrô até a estação Saens Peña e lá pegar um táxi.
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29 comentários
Adorei saber desse Clube. Vi um documentário no canal Bis. Sou fã do Moacir Luz. Divina Luz!
Assim que puder eu apareço. Moro em Minas Gerais. Salve o Samba do Trabalhador, um quilombo brasileiro.
Adorei as informações. Parabéns a toda equipe.