Postal por escrito: Bilbao
Peixe fora d’água | dezembro, 1998
A moça das reservas da Varig em Paris não acreditou quando eu liguei para reconfirmar meu vôo de volta para o Brasil. “Parri-Borrrdô-Bilbaô-Madrid-Sao Polô, c’est ça?”
Era ça, sim. “C’est pour voir le musée”, eu tentei explicar. O normal, eu sei, teria sido pegar o vôo direto
Paris–Bilbao, de Fokker 50, que chega às 4 da tarde; então sair para jantar num restaurante bacana (como seriam as sobremesas na cozinha basca? Bombas de chocolate? Brincadeirinha), dormir uma noite na cidade, ir ao museu no dia seguinte, e só então prosseguir viagem. Mas se eu fosse um sujeito normal eu também não ficaria publicando postal por escrito na Internet.
O engraçado é que esse vôo já tinha me causado 10 minutos a mais de constrangimento em Tel-Aviv, no embarque para Amã, durante o interrogatório a que são submetidos os passageiros que vão de Israel para a Jordânia.
A estagiária da Mossad que me investigava simplesmente não podia compreender por que o meu roteiro previa um vôo para dali a quase um mês que me deixaria por algumas horas numa cidade suspeitíssima como Bilbao, para então seguir viagem para o Brasil. “It’s for the museum”, eu tentei explicar, mas parece que na Escola Preparatória de Torturadores Mentais de Turistas que Tentam Sair de Israel ninguém ensina que a Fundação Guggenheim construiu o museu mais lindo do mundo lá em Bilbao.
Mas ela não se conformava: “Por que de avião? Por que não de trem? Não é muito mais barato?”.
Eu consegui manter a calma e até mesmo adquirir ares professorais: “Porque, quando acoplados a uma passagem intercontinental, os trechos aéreos regionais saem mais barato do que se fossem feitos de trem”, disse eu, citando um livro que eu tinha lido, um tal de “Viaje na viagem, auto-ajuda para turistas”.
Como eu desconfiava, tudo deu absolutamente certo.
O vôo de Paris para Bordeaux saiu lotado de executivos, e a conexão para o teco-teco que faz a linha Bordeaux-Bilbao-Lisboa foi imediata e sem enrolações.
Peguei minha mala na esteira em Bilbao às 9h50 da manhã, e como não existia guarda-volumes no aeroporto, a moça da Iberia foi uma gracinha e me deixou fazer o check-in às 10 horas da manhã para o vôo das 9 da noite para Madri — despachando a mala diretamente para São Paulo.
“Al museo, por favor”, eu disse para o taxista. Ele olhou para trás: “Cómo?”. E eu: “al museo. Museo Guggenheim”, tentei explicar. Pelo jeito, não devem existir muitos outros malucos que chegam ao aeroporto e já vão direto ao museu, sem passar num hotel antes.
Não que eu tivesse pensado nisso antes, mas faz todo o sentido do mundo visitar o Guggenheim de Bilbao na mesma viagem das pirâmides. Se algum faraó ainda fosse vivo, certamente contrararia Frank Gehry como seu arquiteto.
Como um navio ancorado à beira-rio — ou, como prefere Frank Gehry, como um peixe fora d’água, recoberto por placas de titânio que imitam escamas — o museu é um objeto absolutamente sedutor (convenhamos, uma qualidade rara de se encontrar na arquitetura moderna).
Você pode passar horas contemplando o prédio de todos os ângulos possíveis — na frente, do lado, do alto da ponte, do outro lado do rio –, admirando a resposta de cada curva e de cada ondulação à incidência da luz, sem sentir absolutamente nenhuma curiosidade de entrar no museu.
É possível até mesmo que você vá embora e esqueça de que o interior está ali para ser visitado. Compreende-se: é muito difícil colocar ali dentro algo que faça pela Arte o que o prédio fez pela Arquitetura.
Mas deve-se entrar de todo jeito. Talvez não pela arquitetura interior. Tampouco pelas exposições. Alguns de meus cyberleitores certamente saberão que Robert Rauschenberg é um dos papas da arte deste século, mas devo confessar que nutro pela arte moderna a indiferença que as pessoas ajuizadas sentem por viagens tipo as que eu faço.
Mas mesmo alguém artisticamente inculto como eu recomendaria que você entrasse. Porque entrar no Guggenheim Bilbao é a única maneira de ter acesso a um telefoninho modernoso que proporciona uma interessantíssima visita guiada, tanto do interior quanto do exterior do prédio, comentando cada aspecto do projeto e da construção, inclusive com transcrições de declarações do Frank Gehry.
Fiquei fã do velhinho, e agora vou pesquisar se ele não se envolveu em nenhum projeto que tenha uma utilização mais interessante — tipo assim um aeroporto.
15 comentários
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Gostaria de saber se alguém tem indicação de hotel bom e barato em Bilbao, qual a melhor localização na cidade e qual o melhor transporte entre o aeroporto e o centro.
Olá, Beto! O aeroporto fica a apenas 12 km da cidade. Um táxi ao Casco Viejo custa 12 euros. O ônibus de linha leva a um terminal de ônibus de onde se pode ir de metrô à estação San Mamés de trem.
O Casco Viejo é o lugar mais bacana para se hospedar. Vamos pôr sua pergunta no Perguntódromo. Havendo resposta, aparecerá aqui!
Valeu.