Postal por escrito: Tóquio
31 de janeiro de 2005. Era hora do rush no metrô. (Parênteses: não, não vou contar a história dos pobres passageiros sendo empurrados por guardas de luvas brancas para dentro do vagão entupido de gente. Segundo minhas fontes, as TVs normalmente filmam essa cena na estação Shinjuku – a mais movimentada da cidade – às 8 e meia da manhã, quando o rush matinal está nos píncaros do cúmulo do auge. Em cinco dias pegando o metrô direto, não vi nada remotamente parecido. Posso inclusive testemunhar perante o júri que quase sempre consegui me sentar – pelo menos em algum trecho. Fecha parênteses.)
Como eu ia dizendo, era hora do rush no metrô. Acomodado num assento de costas para a janela, e de frente para todos os outros passageiros – muitos deles, em pé –, um homem aparentando menos de 30 anos abriu uma pasta de zíper e tirou lá de dentro um envelope estreito. Eu tinha feito câmbio num banco dois dias antes, e a funcionária irashaimassé kudassai arigatô gozaimás do banco tinha colocado meu dinheiro num envelope igualzinho – deduzi na hora de que se tratava de um envelope de dinheiro. Eis que o sujeito sentado no metrô na hora do rush tira o envelope de dinheiro da pasta, abre o envelope de dinheiro, tira o dinheiro do envelope e começa a contar o dinheiro fora do envelope. Eu por acaso cheguei a comentar que ele estava sentado no metrô na hora do rush? Pois então. Não era muito dinheiro – eram 6 ou 7 mil yens, 60 ou 70 dólares –, mas mesmo assim não pude deixar de ficar profundamente chocado.
Sabe aquela frase-padrão que a gente lê nos guias, “tome todas as precauções de segurança que você tomaria normalmente numa cidade grande”? Em Tóquio, por favor, não tome nenhuma das precauções de segurança que você tomaria numa cidade grande. Ande o tempo todo com o passaporte (nós tínhamos que andar com os nossos – explico melhor num dos próximos posts). Pendure a sua câmera digital caríssima no pescoço e desfile pela rua. Coloque um bolo de dinheiro no bolso da calça e vá em frente. O único perigo que você corre é perder uma dessas coisas na rua e não achar nunca mais.
É esquisito andar na rua com total sensação de segurança. É anormal, entende?, saber que nem nos becos mais sombrios você corre algum perigo. E olha que o que não falta em Tóquio são lugares sombrios. Por sinal, uma das grandes satisfações de visitar Tóquio é descobrir que não, São Paulo não é a cidade mais feia do mundo.
Mas ninguém vem a Tóquio pela paisagem ou mesmo para ver monumentos. Talvez a única “atração turística” tradicional da cidade seja o templo Senso-ji, em Asakusa, lá para os arrabaldes do meu armário, digo, hotel. Mas é um templo pobrinho, que não é páreo para os monumentos de Nikko (a duas horas de distância). A parte mais bacana da visita a Senso-ji foi ter passado pela frente de um jardim-de-infância bem na hora da saída – e aquele monte de mamães japonesas indo buscar seus pimpolhos a bordo da versão japa da Caloi Ceci.
Tóquio serve para você saber o que é viver num formigueiro. Provavelmente as nossas grandes cidades também sejam formigueiros; a diferença é que, no formigueiro de Tóquio, você é um cupim. Ou um besouro. Ou uma lesma. Às vezes dá vontade de ser um tamanduá, mas passa.
Talvez na Tailândia, na Índia ou no Vietnã seja assim também. Só que na Tailândia, na Índia ou no Vietnã você nem chega a entrar de verdade no formigueiro. Você pega um tuk-tuk, ou não resiste ao assédio dos riquixás, ou às vezes já tem um sujeito te esperando no aeroporto com uma plaquinha com o teu nome. Em Tóquio você não pode se movimentar com as mordomias inerentes ao Terceiro Mundo. E se puder, convenhamos, a cidade vai perder completamente a graça.
Agora que acabou, posso até dizer que me hospedar num armário foi mais interessante do que se eu estivesse na suíte do Bill Murray no Park Hyatt. Tóquio não está nos néons em torno das grandes estações. Tóquio está na diminuição do seu espaço pessoal. Não que Tóquio seja claustrofóbica. De jeito nenhum. Você tem menos espaço, mas a cidade é infinita.
Cinco dias é muito pouco para entender Tóquio. Mas cinco dias talvez seja tempo demais para ficar em Tóquio. Estava na hora de ir para o Japão. Fui!
Estou republicando a blogagem ao vivo da minha volta ao mundo de janeiro de 2005. Sempre que possível, os posts vão ar nas datas exatas em que foram publicados originalmente. Para ler todos, clique aqui.
7 comentários
Pra quem está programando ir ao Japão, confira quais são os sete pontos turísticos de Tóquio que você não pode deixar de conhecer:
https://magaliviajante.com/2015/11/11/7-pontos-turisticos-de-toquio-para-incluir-no-seu-roteiro/
Boa Viagem!
Olá!
Estou pensando em ir para o Japão com a Emirates, fazendo um stop em Dubai. Na opinião de vocês, essa parada faria mais sentido na ida ou na volta? Fico pensando na questão do fuso horário e no “choque cultural”…
Obrigada!
Olá, Maíra! Em termos de fuso horário, é melhor fazer na ida. O choque cultural em Dubai é mínimo. É como choque cultural em Las Vegas…
Gente,
O Japão, com certeza, foi a viagem mais inesquecível que fiz. Preciso compartilhar isso com vocês, por isso estou deixo a disposição aqui minha seleção de posts. Tem certeza que pode ajudar muito.
Abraços.
https://raphinadas.blogspot.com.br/search/label/Japão
O meu endereço mudou para http://www.raphinadas.com.br
Nossa eu já li esses posts no blog antigo, mas reli novamente com imenso prazer já que ir ao Japão é meu sonho de consumo!! nessa viagem eu viajei foooorte!
O João Donato (pianista) falou que Tokyo é o único lugar do mundo onde você pode perambular altas horas da noite pelas ruas sem precisar olhar para trás (preocupado com sombras sinistras).
Eu morei mais de dez anos em Tokyo e depois que me mudei é que passei a curtir muito mais a megamegalópole. Sim, Tokyo é bom para passar alguns dias, curtir intensamente e cair fora. Depois voltar no mês seguinte, passar mais dois ou três dias. Assim, dá para aproveitar – sem enjoar – dos seus fascínios.
Fiquei um pouco triste com o que você falou do Sensoji. Eu amo esse templo. Tá certo, não é páreo para os monumentais de Nikko, mas ele representa muito mais coisas do que a sua arquitetura pode transmitir, em vários sentidos. Esse santuário de Asakusa tem uma história que me faz sentir saudadas da terrinha brazilis: a imagem da divindade ali cultuada foi achada por pescadores quando puxaram a rede, no ano 628. Alguém aí já ouviu alguma coisa aparecida?